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Opinião|Elena, ou o que os mortos têm a dizer aos vivos

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Elena, de Petra Costa, é um documentário feito em primeira pessoa que tem em vista a irmã da cineasta, cujo nome dá título ao filme. Foi apresentado ano passado no Festival de Brasília e saiu com três prêmios - direção, montagem e direção de arte. Comoveu o público presente na sessão.

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E, de fato, é muito emocionante. Fala da irmã de Petra, Elena, atriz talentosa que tenta fazer carreira em Nova York, fracassa e termina por se matar. É a história da destruição de uma vida, narrada em tom sensível, intimista. Para sorte (se o termo cabe) da cineasta, a família tinha o hábito de se filmar e, desse modo, ela possuía um bom material de arquivo para recuperar a memória da irmã.

Que, claro, é memória de si mesma. Quem fala de um ente querido, ainda mais se terminou de maneira trágica, também fala de si. Talvez fale sobretudo de si. Da maneira como conviveu com o desaparecido e o modo como assimilou a perda brusca e, até certo ponto, inexplicável. Qualquer fim de vida como o de Elena contempla esse lado de mistério. A interrupção voluntária da vida é uma interrogação, uma pergunta de quem se foi para quem ficou. Algo, no limite, irrespondível, mas que, de alguma forma, solicita respostas, ainda que parciais e fragmentárias.

Por exemplo, ficamos curiosos com a obsessão de Elena, um talento promissor, em se dar bem em um país estrangeiro. Ainda mais num ambiente altamente concorrencial, como o norte-americano, e expressando-se numa língua que, para ela, seria sempre estrangeira. Há, então, esse "estranhamento" de Elena. Buscado de maneira poética pela diretora, o que também é uma forma de destacar-se do "objeto", sem por isso colocar uma perspectiva que daria ao filme um tom excessivamente distanciado.

Pelo contrário, falando de Elena, Petra fala de si. Reaproxima-se. Às vezes explicitamente, com quando segue os passos da irmã em Nova York e projeta, para si, uma carreira semelhante. A voz over que acompanha a narração é da própria Petra, tentando escavar essa presença de Elena, que se faz, por paradoxo, pela ausência. Nesse sentido, o filme, talvez até mesmo sem querer, é uma reflexão sobre a função da memória. Daquela sutil presença dos mortos, que se faz notar em velhas fotos, em filmes, nas casas que habitaram, nas roupas que não lhes servem mais e, acima de tudo, na lembrança que deixaram. Por isso também se diz que alguém só está completamente morto quando morrem aqueles que dele se lembravam.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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