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Cinema, cultura & afins

Opinião|Edward Yang: as coisas simples da vida

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Cheguei ao jornal e recebi a notícia de que havia morrido o cineasta chinês Edward Yang, aos 59 anos. Yang é diretor de um filme de que gosto muito, As Coisas Simples da Vida. Não sei se existe em DVD. Mas, se existir, não deixem de ver.

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As Coisas Simples da Vida: não deixa de ser um bom título em português, embora pareça um tanto redutor. Claro, uma das idéias mais explícitas do filme de Edward Yang é esta mesma, a recorrente sensação do homem moderno de que perdeu alguma coisa de fundamental. E que para reencontrar esse algo fundamental, e talvez reencontrar-se consigo mesmo, precisaria fazer uma verdadeira faxina mental em sua existência. Jogar fora, impiedosamente, toda a parafernália modernosa que lhe venderam como essencial e beneficiar-se da simplicidade, que é simplesmente um estado de espírito seletivo, capaz de identificar o que tem importância e concentrar-se nisso.

Esse é mais que um tema; seria um estado de espírito que faz a substância do filme e lhe dá sentido. Mas há muito mais envolvido nesse projeto que valeu ao autor o prêmio de direção em Cannes. Por exemplo, parece óbvio que o garoto Yang-Yang seja um alter ego do diretor. Não que a história que conta seja auto-biográfica. Seria, digamos, um alter ego conceitual. Yang-Yang, mais provavelmente, discute aquilo que o cinema, como arte e como instituição, significa para o diretor. Trata-se de outro patamar. O garoto, ou seja, o artista, é aquele que faz as perguntas incômodas. Do tipo: só conhecemos parte da verdade ou podemos conhecê-la por inteiro?

Não deixa de haver uma certa idealização do cinema no filme de Yang. Por exemplo, quando um dos personagens diz que, com o cinema, a vida humana multiplicou-se por três, porque multiplicaram-se as suas possibilidades de experiência. O exemplo dado pelo personagem não é dos mais felizes: não preciso me tornar um assassino para saber como é matar um homem; basta ver um filme no qual isso acontece. Não é tão simples, como se sabe, e assistir comendo pipoca ao Resgate do Soldado Ryan não equivale a participar do desembarque da Normandia. Mas, enfim, é uma aproximação possível.

De qualquer forma, o cinema, para Edward Yang, não aparece como substituto da vida, mas como enriquecedor da experiência humana, o que não é pouca coisa, e significa, nem mais nem menos, alinhá-lo entre as outras artes, como pintura, teatro, literatura - que, em tese, têm essa função de melhorar a espécie, ainda que às vezes por vias tortas.

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Elevar o cinema a esse patamar ambicioso não é o menor dos méritos de Yang. Devemos ser gratos por isso.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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