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Opinião|É Tudo Verdade abre com homenagem ao jornalismo

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:
O jornalista Mike Wallace Foto: Estadão

Fui ontem à abertura do É Tudo Verdade, festival de documentários, no Auditório Ibirapuera. Seu diretor, Amir Labaki, foi claro: "o filme de abertura de um festival é como o editorial de um jornal". Expressa a opinião do "veículo". Abrindo com Mike Wallace Está Aqui expressa a preocupação com nosso tempo de pós-verdade, fake news e revisões históricas tendenciosas.

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Mark Wallace, dirigido por Avi Belkin, tem por personagem o temido apresentador do programa de entrevistas 60 Minutos, famoso por suas perguntas incisivas e incômodas. Ao ver o filme lembrei de uma frase talvez de Carlos Lacerda que, quando não estava derrubando presidentes, era um excelente jornalista: "Não existem perguntas indiscretas, existem respostas comprometedoras".

Wallace é visto "em ação" em muitos momentos. Após uma pergunta, é chamado de filho-da-puta, no ar, por Barbra Streisand. Conseguiu entrevistar o aiatolá Khomeini e desrespeitou o acordo de que teria de se limitar a perguntas previamente aprovadas. Saindo do script, faz o imã falar, enraivecido, do então presidente do Egito, Anuar Sadat que, logo após, seria assassinado num atentado.

O jornalista, ele próprio, submete-se a uma bateria de perguntas e fala de temas incômodos, a morte de um filho, a sua depressão e uma tentativa de suicídio. Era um jornalista duro e entrevistou, sem abaixar a cabeça, gente como Richard Nixon e o general Westmoreland, que tentou processar a CBS em US$ 120 milhões por ser questionado em sua atuação na Guerra do Vietnã.

Achei a narrativa um tanto confusa pela avalanche de informações que nos é oferecida, sem momentos de respiro ou pausas para assimilação. Talvez algumas características de Wallace, uma figura nacional nos Estados Unidos, fiquem mais claras em seu contexto de origem do que quando vistas em outros países.

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Em todo caso, Wallace é um exemplo de como um jornalista independente deveria se comportar diante de qualquer autoridade. Olhando nos olhos, sem abaixar a cabeça, sabendo encaixar golpes, desferindo-os e perguntando aquilo que a opinião pública deseja saber.

Não é fácil sustentar essa posição. Nem mesmo nos Estados Unidos, país conhecido por seu jornalismo agressivo. Impossível talvez no Brasil, país onde, no encontro entre autoridades e membros da imprensa, os primeiros chamam os segundos de "vocês" e os segundos tratam os primeiros por "senhor" ou "excelência. Essa diferença de tratamentos diz tudo sobre a assimetria de relações.

Em todo caso, quaisquer que sejam suas limitações, o jornalismo brasileiro encontra-se diante de uma janela de oportunidade. Diante de um governo francamente disruptivo, que chama golpe de ação democrática, classifica o nazismo como ideologia de esquerda e produz fake news como se fosse um blogueiro irresponsável, o jornalismo profissional pode se reafirmar como reserva de respeito à verdade dos fatos, análises serenas e fundamentadas e defensor de consensos históricos.

Não será tarefa fácil. Mas sabemos que o jornalismo, como algumas outras atividades, cresce em tempos difíceis.

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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