PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Cinema, cultura & afins

Opinião|Drive

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

 

O personagem principal de Drive é um motorista vivido por Ryan Gosling. A proximidade evidente é com outro filme, também protagonizado por um motorista, o hoje clássico Taxi Driver, de Martin Scorsese. As diferenças são as de praxe, a começar pela época. Num caso, temos o ex-combatente do Vietnã no reencontro de uma sociedade que não reconhece e não o aceita. No outro, o contemporâneo sem passado e em aparência sem presente, que é dublê de cenas perigosas durante o dia e participa de assaltos durante a noite. Quer dizer, dirige para os bandidos, dando-lhes cinco minutos para praticar o assalto e pôr-se em fuga, em seu carro.

PUBLICIDADE

Em ambos, a presença desse objeto fetiche da vida contemporânea, o automóvel, que pode significar liberdade e também pode ser uma arma. Símbolo da masculinidade associada à técnica, o carro encontra no espaço psicológico norte-americano o seu habitat natural. É o emblema da força da técnica e do triunfo individual, o único que conta para determinada cultura.

Em ambos, também, a sensação do personagem de que está imerso num mundo caótico e sem sentido, com uma única exceção. No caso de Travis, a jovem prostituta vivida por Jodie Foster; na de Drive, a também jovem mãe de família vivida por Carey Mulligan e seu filho, Benício. Há nos dois filmes também uma curiosa e paradoxal mistura de ternura com violência. Somos feitos desses materiais, parecem dizer os dois diretores, Martin Scorsese e Nicolas Winding Refn.

Dito isso, é claro que Refn é bem mais estiloso do Scorsese. Se este trabalha com o sentido católico da remissão dos pecados (nem que seja através do sangue), o mundo de Refn parece despovoado de qualquer transcendência. Driver (o motorista é apenas designado como tal, sem nome) vive sem maiores horizontes até ser despertado por um sentimento que, confusamente, pode definir como amor. Numa das cenas mais fracas, porque explícitas, ele expressa em palavras o que significou aquele encontro para ele.

Mas o resto do filme se resolve predominantemente na imagem, na tonalidade quente, nas cenas de ação, na relação intersubjetiva dos marginais que formam o mundo no qual o personagem de Gosling vai se enterrando. Há também um tom sacrificial na atitude dele de praticar um assalto, mais um, para que tudo possa se normalizar para Irene (Carrey Mulligan). Quando o assalto se complica, outros desdobramentos virão, mas o básico era isso - pelo mal atingir o bem, porque não haveria outra alternativa possível para salvar uma mulher cujo marido saíra da prisão e estava, ele próprio, completamente encalacrado.

Publicidade

Drive é um bonito filme de ação, um thriller psicológico e noir tardio, um daqueles trabalhos que tentam unir o espetáculo à reflexão. Refn é um talentoso diretor dinamarquês, criado em Nova York e que manipula seu instrumento de ofício com muita destreza. Tem, além disso, ideias na cabeça, o que não é muito comum no cinema contemporâneo. O filme é baseado no romance de James Sallis, roteirizado pelo iraniano Hossein Amini. Conta também com Ryan Gosling, perfeito em seu tipo taciturno, ameaçador em seu silêncio. Fazê-lo oscilar, às vezes na mesma cena (por exemplo, na cena do elevador) da ternura quase tímida de um colegial a uma brutalidade sem medida, é um dos trunfos de Drive.

Visualmente, é um filme cheio de vida e de paixão. Destoa demais do cinema anódino de Hollywood, um cinema de linha de montagem industrial. Drive passa uma pulsão sincera pelos personagens e seus impasses. Expressa um desejo de cinema do seu diretor. Não é pouca coisa hoje em dia.

(Caderno 2)

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.