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Opinião|Dino Cazzola - uma Filmografia de Brasíia

 

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Dino Cazzola - uma Filmografia de Brasília, de Andréa Prates e Cleisson Vidal, apresenta, em seu título e subtítulo, de maneira simples, seu personagem, seu tema e alcance.

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Basta sabermos, como o filme logo de saída nos informa, que Dino Cazzola, para quem não o conhece, foi um cinegrafista de origem italiana, que veio para o Brasil, radicou-se na nova capital desde os seus primórdios e registrou-a, de todas as formas possíveis, com suas lentes.

Há, é bem verdade, um subtema, oculto, e que logo aflora, o da sempre problemática conservação do material fílmico no País. Ficamos sabendo que mais de 70% do que Cazzola filmou desapareceu, para sempre, por falta de conservação adequada. As imagens são dramáticas. Latas são abertas e os filmes vão sendo retirados. Alguns deles, ainda passíveis de restauro; a maior parte, perdida. "Lixo, lixo, lixo" vai repetindo a voz do especialista, com tonalidade desolada, a cada vez que examina o conteúdo de uma lata recém-aberta. De vez em quando, surge o ouro: o material é recuperável. Mas a desproporção entre o que se perdeu e o que ainda dá para salvar é muito grande. Enfim, para dar números à coisa: foram analisados 3 mil rolos de filmes, dos quais restaram 300 horas de material filmado entre as décadas de 1960 e 1970.

Então há esse lado, sempre a lamentar, do caráter perecível do material cinematográfico. O que se perde não tem volta. De maneira geral, os filmes que tratam desse assunto tem esse tom lamentoso, muitas vezes deixando de informar por que o material perdido não recebeu tratamento adequado enquanto era tempo. No caso de Cazzola,as latas  eram guardadas no sótão da casa do cineasta, conta seu filho.

Por outro lado, lamento à parte, há o que sobrou. E esta sobra constitui um acervo riquíssimo, que documenta a capital em várias de suas fases de existência, incluindo registros anteriores à inauguração, em 1960. O material bruto talvez não tivesse grande interesse, a não ser para especialistas. Mas, da maneira como foi manipulado e montado, torna-se fascinante porque conta uma história, a dessa cidade incrível, plantada no meio do nada, numa época em que ainda se era capaz de sonhar e pensar grande. Hoje, talvez Brasília não saísse do papel. Ou talvez sequer fosse cogitada.

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Por isso mesmo são comoventes os registros das primeiras fases da construção, aqueles esqueletos de edifícios surgindo como espectros em meio ao cerrado. Aquilo foi uma aventura, da qual já se mostrou também o avesso no grande documentário de Vladimir Carvalho, Conterrâneos Velhos de Guerra, sobre os trabalhadores que construíram a capital e dela foram expulsos quando não eram mais necessários.

De modo que o desafio era dar ao material salvo a estrutura narrativa que o transformasse numa boa história. Como conta a pesquisadora Andréa Prates, as latas continham títulos secamente jornalísticos, como Construção do Eixo Norte-sul; Discurso de Tancredo Neves 1961; Construção da Catedral, etc. "Vamos filmar para a História", dizia Dino, de acordo com o cinegrafista Paulo Guerra, que trabalhou com ele. Filmava tudo, guardava tudo e, sobre esse instinto cumulativo, os diretores se debruçam para, do material bruto, tirar o seu cerne.

E há a história do próprio personagem. Filho de uma cidadezinha ao norte de Milão, destruída pela guerra, Dino foi encontrado pelo exército brasileiro e veio morar no País. Aqui testemunhou a mais formidável construção do século 20. Vítima da guerra, aqui Dino Cazzola reconstruiu-se. Talvez por isso mesmo tenha se fascinado tanto pela obra de Brasília, a ponto de registrar-lhe todos os passos e etapas.

(Caderno 2)

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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