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Opinião|Diário do Cine Ceará 2013 - Olho Nu, um cinepoema com Ney Matogrosso

 

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Atualização:

FORTALEZA - Mais um documentário na mostra competitiva - e este a gente até já havia visto, em Brasília, no ano passado. Olho Nu, de Joel Pizzini, ressurge mais enxuto, com mais dinamismo e ritmo. Já era bom; ficou melhor. Pizzini costuma dizer que não é um documentário sobre Ney Matogrosso, mas com Ney Matogrosso. Faz sentido. Não é biográfico, não se propõe uma análise de obra. Não se coloca à parte do personagem. Filia-se à vertente do filme poético, filha do inacabado, estudo que não deseja esgotar seu, por assim dizer, "objeto". Gravita em torno dele, escuta-lhe as nuances, faz com que se expresse pelo que tem de melhor - sua voz. Há, assim, muita música neste melodocumentário brasileiro, gênero que já vai surgindo à parte na filmografia do País e que comporta inúmeras variantes.

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Uma delas é a da exaustiva tese acadêmica. Aquele filme que procura condensar tudo do seu personagem em 90' ou 100', mesmo que este tenha sido um gênio da canção ou instrumentista insuperável, com vida movimentada e cheia de aventuras, viagens, países em que morou, muitos casamentos e filhos, etc. Pizzini vai no sentido oposto. Sabe que tem diante de si uma instituição já construída da MPB. Todo mundo - no Brasil - conhece Ney Matogrosso. Não é preciso descrevê-lo. Daí a opção pela economia. A dica, segundo Pizzini, veio do próprio Ney. "Quando lhe perguntei como consegue manter essa forma física impressionante, ele me respondeu que o macete era sempre sair da mesa com um pouco de fome. Quero também que o meu espectador saia do filme com fome", diz Pizzini.

Ok, e é bem essa a sensação que experimentamos. Queremos mais Ney Matogrosso, porque Olho Nu nos serve um formidável estímulo para a imaginação e a sensibilidade. Compõe-se de filmagens atuais, em que Ney esboça suas reflexões, e mais cenas de arquivos de suas incontáveis apresentações solo ou com os Secos & Molhados. Acrescem outras imagens de Ney em filmes como em Caramujo Flor, do próprio Pizzini, ou Luz nas Trevas, de Helena Ignêz, em que Ney interpreta o bandido da luz vermelha, papel de Paulo Villaça no filme de Rogério Sganzerla de 1968. Da tela emerge a figura de um artista completo, autoconsciente e transgressor.

O contexto em que Ney aparece - os anos 1970, a ditadura militar - entra de maneira sutil na narrativa, beneficiando-se de um acaso. Ney é filho de militar que, claro, não vi com bons olhos as performances do filho. É, junto com o da mãe, um rápido e significativo depoimento no filme. O militar conta que, de fato, não achava natural ver o filho rebolar na TV. Mas, dado o sucesso, conformou-se. "E até aderi". É engraçado. Dialético, Ney diz que nada mais avesso ao seu modo de ser do que a rigidez militar. Mas, admite, foi ela que lhe deu a disciplina, de que muito se serviu. Vejam só como o mundo é curioso.

 

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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