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Cinema, cultura & afins

Opinião|Diário do Ceará 2011: O Coro

FORTALEZA - Foi bonita a festa, pá. Em especial pelo que os franceses chamam de "cadre" - o ambiente. É lindo esse Theatro José de Alencar, com sua arquitetura e seus jardins de Burle Marx, transformado em sede do Cine Ceará. O Cine São Luiz, que abrigou o festival durante tantos anos, está em reforma. Pena que, na festa houvesse rock e não um forró (nada contra o rock, tudo a favor da sanfona: me lembro ainda das festas de abertura do Cine Ceará no Pirata, com a sanfona do Azeitona...). Bem, o teatro, agora improvisado em cinema, funcionou até que bem. As cadeiras não são lá muito confortáveis e temo o que pode acontecer à coluna vertebral em noite de dois longas. Mas a sala é de fato linda. Na torrinha, pelo menos, a acústica não funciona tão bem. A imagem está ok.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Bonita também a singela homenagem à atriz Giulia Gam, clean e elegante em seu vestido branco e bastante emocionada porque aquela era a primeira vez que subia num palco para receber um tributo por sua carreira. Em seguida, rolou a primeira noite de competição.

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O que se viu? Um filme paranaense chamado O Coro, de Werner Schuman (não confundir com o gaúcho Werner Schunemann, diretor e ator). Schuman reúne personagens angustiados, reunidos em torno dos ensaios do coral da 9ª Sinfonia de Beethoven. O engraçado (se graça há) é que tanta tristeza gravita em torno de uma peça baseada na Ode à Alegria, de Schiller, musicada por um Beethoven já surdo. Paulo (Emanuel Martinez) é o maestro cuja mãe está moribunda. Francisca (Célia Ribeiro) chega a minúsculo apartamento, com sua mala enorme, e não consegue se relacionar com as pessoas. Antonia (Silvia Monteiro) tem medo da solidão e da velhice e procura companhia com garotos de programa. Salomão Benner (Paulo Barato) busca incessantemente um certo Beckett ao telefone, mas seu Godot nunca aparece.

Não faltam ideias a este filme que busca medir a dança da existência humana pelo contraponto de uma das mais altas realizações musicais da humanidade. É filmado em preto e branco e busca enquadramentos e angulações pouco banais. Enfim, busca com certo afã o selo "filme de arte", com seus cacoetes, o que sem dúvida o prejudica. Parece procurar, no fundo, mais a respeitabilidade artística do que o fundo do ser dos seus personagens. Estes acabam por se mover num universo um tanto esquemático, em que as teses sobre sua existência já foram definidas a priori. Eles estão na tela apenas para confirmá-las.

Schuman, disse, a propósito, que o seu era um filme diferente: "em geral os personagens entram em conflito uns com os outros; em O Coro, os conflitos são dos personagens consigo mesmos". É verdade, mas essa percepção não basta para fazer cinema convincente. É preciso que essa divisão interna dos personagens se expresse de maneira exterior e atinja o público. A artificialidade com que os conflitos são apresentados não ajuda. Acabam sendo notas dissonantes num filme que usa a grande música como pretexto.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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