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Opinião|Diário de Veneza 2010: Novo filme de Sofia Coppola e outros

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Atualização:

O tempo voa em Veneza. Filmes, filmes, filmes, às vezes sem tempo de postar. Ou de assimilar e refletir. Vamos recuperar o tempo perdido.

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Acabei de ver Somewhere, de Sofia Coppola. Gostei. Depois do assim-assim Maria Antonieta, acho que ela volta a um ambiente que domina, aquele de Encontros e Desencontros (Lost in Translation). O personagem é Johnny Marco (Stephen Dorff), ator que mora no célebre Hotel Chateau Marmont, de LA, com tudo à sua disposição, em especial mulheres a granel. Ele está lançando um filme e se vê às voltas com os compromissos de carreira (êpa!). Tem uma filha adolescente, de um casamento que acabou, viaja para a Itália para a pré-estreia, leva consigo a garota, etc. Tudo acontece com uma boa noção de Sofia para tempos mortos, o que vai expressando (sem discurseira) a vacuidade do personagem. Talvez seja o que de melhor se viu até agora na mostra competitiva.

Happy Few, do francês Antony Cordier, é o contrário. Aqui são dois casais que se aproximam - e para valer. Começam a praticar um swing que se torna rotineiro e, depois de um tempo, não deixa de apresentar suas contradições e problemas. Cordier é verboso, seus personagens falam demais (transam bastante também, é bom que se diga). O filme tem momentos, mas a filmagem é um tanto burocrática, pouco inventiva. E, como disse, Cordier se deixa seduzir pelo excesso verbal, que tende a preencher vácuos deixados pela imagem.

Fora de concurso: Jianyu (Reino dos Assassinos), co-direção de Su-Chao Ping e John Woo) até que é bem legal. Lutas bem coreografadas, mas que não pretendem se bastar a si mesmas - aparecem em função de uma história que não deixa de ser bem construída. O fio que liga a trama é a busca pelos restos mortais de um monge budista. Reza a lenda que quem detiver as duas metades do corpo morto do monge, entrará de posse dos segredos profundos do kung fu. Há um conceito trágico que conduz essa busca, com enganos e descobertas inesperadas. É co-dirigido por Woo que, este ano, recebe o Leão de Ouro pela carreira em Veneza.

Na seção Horizontes, Guest, do espanhol José Luis Guerín, é uma espécie de diário de filmagem do diretor, que viaja de festival em festival acompanhado de sua câmera. Usa-a como um caderno de anotações. Guerín trabalha uma questão: existe diferença palpável entre documentário e ficção? Este problema, você sabe, tem intrigado críticos e cineastas. Em especial depois que Eduardo Coutinho lançou Jogo de Cena, que cortou o nó da questão. Parece tudo resolvido: não está. Assim, é preciso discuti-lo. Como sabe qualquer um que já tenha aberto um livro de filosofia, mesmo que ginasiano, nada é óbvio, nada é dado de barato, portanto precisa ser trabalhado teoricamente. Ora, a maneira teórica de um cineasta pensar é, preferencialmente com as imagens. Assim, Guerín ouve e registra personagens de diversos países, em especial tipos, digamos, populares. Sai da Itália, de Veneza justamente, e vai para a América Latina. Passa por Brasil, Peru, Equador. Em São Paulo, faz a festa na Praça da Sé com seus pregadores evangélicos, bêbados, pirados e repentistas. Como inventar uma ficção mais alucinada daquela que acontece todo dia e toda à noite à nossa vista no centro de São Paulo? Ele vai assim, de país em país, ouvindo e filmando pessoas, com aquela profundidade de quem respeita e gosta dos seus personagens. O filme é brilhante.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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