Foto do(a) blog

Cinema, cultura & afins

Opinião|Diário de Veneza 2012 Ecos do maio de 68

Com seu Après Mai (Depois de Maio), Olivier Assayas traz um dos mais belos filmes deste Festival de Veneza. Falando da geração que se seguiu ao Maio de 1968, Assayas une a pulsão política do seu filme anterior - o magistral Carlos - a um frescor juvenil tocante. A história ambienta-se em 1971.

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Seus jovens personagens são herdeiros de uma revolução que se diz derrotada ou interrompida. Ainda crêem nela. Mas têm de se ver com outras determinantes da época, como as drogas, a viagem mística ao Oriente, o confronto com a esquerda ortodoxa e careta. Gilles (Clément Métayer) é um óbvio alter ego do diretor. Tomado pela política, tenta também desenvolver uma trajetória artística como pintor. Há muita alegria e muito frescor no filme, como se disse. Mas Après Mai é banhado de uma evidente melancolia.

PUBLICIDADE

Assayas não o nega. "Não queria dar a impressão de uma juventude idílica, porque a minha não foi assim. Havia o amor, a ternura, claro, e tudo isso está no filme. Mas havia também a pressão do compromisso político, a responsabilidade que sentíamos em relação à classe operária: e a ideia de revolução, que funcionava como superego impositivo para a nossa geração".

Apesar de Gilles ser o foco da narrativa, a vocação de Après Mai é coral, distribuída entre vários personagens, que são os companheiros de turma e de convicção política. Dessa forma, veremos os jovens nessa encruzilhada da vida, e nesse momento muito particular da História, tentando encontrar seus caminhos. Isso numa época em que o coletivo se mesclava de modo muito intenso ao individual. Namoros podiam ser rompidos por divergências de linha política. Essa tensão está lá, nas imagens, no ritmo e na forma de se articular do filme. Faz parte da linguagem.

Aliás, Après Mai, além de acompanhar a trajetória de luta e amor dos jovens, relembra o clima intelectual da época, as discussões que então se travavam. Uma delas, diz respeito ao próprio cinema. Enquanto o Partido Comunista achava que as obras deveriam ser didáticas e acessíveis, para "iluminar o proletariado", os jovens entendiam, como Maiakovski, que não existe arte revolucionária sem forma revolucionária. Quem pensava uma nova sociedade não poderia usar a linguagem "burguesa" da narrativa clássica. Os ortodoxos pensavam exclusivamente no conteúdo e em seu didatismo. A jovem guarda dava importância à forma, sem descurar do conteúdo. Percebem o quanto tudo isso é atual?

Essa discussão influencia a própria maneira como Assayas constrói seu cinema. "Tento fazer um cinema comunicativo, mas que não repita o que já foi visto. Entendo o cinema não como uma forma de comunicação, ou como jornalismo, que deve se preocupar com a informação. É uma arte e assim deve repercutir no espectador para que ele possa ser afetado e, a partir daí, tirar suas próprias conclusões".

Publicidade

Mesclando idéias e ação, sentimento e reflexão, Assayas faz um cinema dialético, que não se impõe ao espectador, mas o leva ao pensamento. E à emoção, porque os termos não são contraditórios ao contrário do que se julga.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.