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Opinião|Diário de Veneza 2012 Ecos do 11 de setembro

 

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
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VENEZA Uma boa partida para o 69 Festival de Veneza, com a apresentação, fora de concurso, de O Fundamentalista Relutante, da diretora indiana Mira Nair. O longa foi bem aplaudido na sessão de imprensa, mesmo que tenha suscitado dúvidas em alguns profissionais. Uma delas, a tentativa de fazer um filme de público sobre os conflitos do mundo, de modo a atingir o maior número de pessoas. Ora, qualquer artista deseja ter público amplo. A questão é sabe se faz concessões em excesso nessa busca. A outra objeção parece mais fundamentada: Nair teria tratado assuntos políticos com base em conflitos pessoais, misturando uma coisa com a outra, sem muito rigor. A história é a de Changez (Riz Ahmed), jovem paquistanês que tenta fazer a América. E faz com grande sucesso. Prova seu talento e galga postos numa dessas empresas de "reestruturação". O big boss, vivido por Kiefer Sutherland, acha que, nesse jovem tímido, encontrou o sócio ideal. O escritório, no 53 andar de um edifício em Manhattan, pega empresas em dificuldades econômicas e as reergue cortando custos; ou seja, amputando empregos. Filho de um poeta, Changez terá seu momento de iluminação no momento de usar suas habilidades cirúrgicas em uma casa editora turca. Enfim, Changez terá direito a vários outros momentos de insight. Por exemplo, ele que já se considerava um americano típico, verá que, depois do 11 de setembro, as coisas não são bem assim. Terá problemas também com a namorada Erica (Kate Hudson). A garota tem dificuldades em esquecer um antigo namorado, morto em acidente de carro quando ela dirigia, bêbada. A alusão aqui é bastante clara, sobre a dificuldade de realizar o luto e olhar em frente, seja num caso individual, seja num caso coletivo. Mira Nair diz que pretendeu olhar o mundo com essa visão do Paquistão, país que tem relacionamento difícil com a Índia, no qual ela morou quando criança. Tantos antagonismos se expressam numa posição humanística e crítica: "O mundo é complexo demais para ficarmos naquela posição de Bush de ou você está conosco ou está contra nós", diz a diretora. Ela mesma possui uma experiência traumática em relação ao 11 de setembro. Em 2001 havia vencido justamente o Festival de Veneza, com seu Casamento Indiano, e voltaria para casa no dia seguinte com o troféu quando aconteceu o ataque às Torres Gêmeas. "Fiquei apavorada, pois meu marido e meus filhos moravam em Nova York. Não conseguia voltar para casa e só cheguei lá uma semana depois", lembra-se. A idéia de base do filme é, como não podia deixar de ser, sobre a convivência entre diferentes. Nesse ponto, aliás, está alinhado com a própria proposta do autor do livro.Mohsin Hamid diz que sua intenção é problematizar essa diferença muito fácil que fazemos entre indianos, paquistaneses, americanos..."Afinal, somos todos seres humanos, não? De modo que O Fundamentalista Relutante é muitas coisas num só filme. Primeiro, thriller político com algumas boas seqüências. Tem clima. Os fatos vão se revelando em torno de uma mesa de chá, quando Changez conta sua trajetória para um jornalista americano (Liev Schreiber).Segundo, balanço até interessante sobre os efeitos do 11 de setembro nos Estados Unidos, gênese do mundo tal como o sofremos hoje, com paranóia e obsessão de controle. Terceiro, tenta mesclar sentimentos e reflexão política, mas o coquetel não dá muito certo. Às vezes, onde falta pensamento, entra o melodrama para tapar o vazio. Mas, no todo, é um bonito filme.

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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