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Cinema, cultura & afins

Opinião|Diário de Veneza 2010: Políticas do corpo

Quem deu o mote foi o diretor de A Solidão dos Números Primos, o romano Saverio Costanzo, nascido em 1975: o fio condutor dessa edição do Festival de Veneza é o corpo. Certo. Sendo o cinema uma arte da imagem por definição, ele se vê obrigado a colocar em cena o corpo humano. Assim, a frase de Saverio poderia passar por uma banalidade, ou uma redundância, pois, no fundo, todo cinema é, inevitavelmente, um cinema do corpo. Mas isso seria interpretá-la de maneira mesquinha. Porque se o corpo está sempre presente, de uma forma ou de outra, ele pode ser suporte para o prazer, ou para a reflexão. Mas, no Festival de Veneza, o que se vê, numa grande quantidade de filmes, é o corpo que sofre, um corpo em penúria.

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Como os os corpos dos dois protagonistas de A Solidão dos Números Primos. Mas, muito mais do que eles, sofre o corpo de Sarah, a protagonista de Vênus Negra, de Abdellatif Kechiche, esquadrinhado, torturado e, enfim, dissecado para deleite do olhar e da ciência do mundo "civilizado" europeu do século 19. Há mais: em Promises Written in Water, de Vincent Gallo, é o corpo moribundo de Delfine Bafort, namorada do próprio protagonista, que se põe na tela como signo mais da morte do que do amor. Em Balada Triste de Trombeta, Álex de la Iglesia elege o corpo soberbo de Carolina Bang para sediar a disputa entre dois palhaços de circo na Espanha do franquismo. Mas esse corpo de desejo será também oferecido em sacrifício na batalha final entre os contedores.

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Desde o primeiro filme da competição, Black Swan, de Darren Aronofsky, vemos o corpo em batalha consigo mesmo. No caso, é a bailarina Nina (Natalie Portman) que luta para encontrar em si o lado negro que lhe permita alcançar a performance completa do seu personagem. E, num dos cotados para o Leão de Ouro, o russo Ovsyanki, o que se tem é nada mais nada menos que a cerimônia de adeus a um corpo amado.

A política do corpo não é novidade. Foucault já falava no assunto décadas atrás. Mas esse conjunto de filmes, certamente escolhidos sem pensar nesse subtexto, indica uma preocupação crescente com o corpo e o coloca como central na temática das obras. Como se a alma, e mesmo a política, só pudessem ser alcançados, de alguma forma, através dessa viagem na carne. Por isso o cinema se torna a arte do sensorial, cada vez mais.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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