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Opinião|Diário de Gramado 2014 - Homenagem a José Wilker e A Despedida

 

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:
 Foto: Estadão

 

GRAMADO - A serra gaúcha está como os organizadores do festival gostam - fria e cheia de celebridades para desfilar pelo tapete vermelho sob os gritinhos de fãs. Estiveram no primeiro dia de festival Juliana Paes, Daniel de Oliveira, Sophie Charlotte, um grande ator do Cinema Novo como Nelson Xavier, etc. Celebridades, o que a indústria de turismo precisa.

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O filme escolhido para abrir o festival foi Isolados, thriller de Tomas Portella, no qual José Wilker, morto em abril, faz uma ponta como médico psiquiatra. Pontinha mesmo, mas foram as últimas imagens desse grande ator num filme. Ele é Fausto, colega de Lauro (Bruno Gagliasso), que se apaixona por uma ex-paciente, Renata (Regiane Alves) e a leva à serra fluminense para completar o tratamento, vamos dizer assim. Só que no local estão ocorrendo crimes terríveis, o que a moça não sabe.

Isolados aposta em alguns clichês do gênero, como sustos e uma trilha sonora pesada, criada para mexer com os nervos do espectador. Pode exasperá-lo também. O roteiro propõe um twist final que não convence muito aos mais céticos. Passou fora de concurso. É filme de gênero, mas podia ser mais caprichado, ou inventivo. Ou ambos. Não se deve ter preconceitos em relação a gêneros. Afinal, O Iluminado também é um filme de terror...

Já o primeiro concorrente traz uma história humana de potencial grande envergadura que o diretor, Marcelo Galvão garante tratar-se de um caso real, passado em sua família. Almirante (Nelson Xavier) é um ancião de 92 anos que resolve sair de cena em grande estilo, acertando suas contas com a vida. A começar por uma conta propriamente dita, pendurada num botequim. , Depois, fazendo as pazes com o amigo a quem traiu e, por fim, encontrando-se pela última vez com a ex-amante, a tentadora Morena (Juliana Paes), mais de 50 anos mais moça do que ele.

O "ambiente" ficcional lembra o de alguns dos livros de García Márquez, O Amor nos Tempos do Cólera e Memórias de Minhas Putas Tristes. Tem alguns acertos, como a coragem de enfrentar um tema ainda cercado de preconceitos no cinema - a sexualidade na velhice. Estamos todos prontos a aceitar na tela a sexualidade de jovens bonitos e saudáveis. Com os velhos, desejamos secretamente que não se exponham. Que se contenham e fiquem na deles, jogando bocha ou tricotando. Pois bem, sabemos muito bem que o desejo não se extingue com a chegada das rugas e da flacidez. Só não queremos vê-lo em ação, por assim dizer. Em A Despedida, Marcelo Galvão o expõe, impiedosamente. Ponto para Nelson Xavier, que enfrenta um papel difícil. E também para Juliana Paes, que compõe uma mulher do povo, desglamurizada, mas muito atraente. O casal é bastante assimétrico, e esse talvez seja outro ponto positivo da história. Amamos demais as simetrias, mais do que elas merecem.

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Há muitas outras coisas que não funcionam tão bem. O lento despertar do Almirante, sua dificuldade em sair da cama, o som desfigurado e embaralhado por um ruído de fundo (logo descobrimos que mimetiza a surdez do personagem) - tudo isso filmado em tempo real, acabam por exasperar. Claro, é o projeto do cineasta. Mesmo assim...

Por sorte, em meio à decrepitude do personagem, aparecem laivos de humor para dar uma respirada à história. É boa a cena em que o nonagenário fuma um baseado com uns rappers de periferia, por exemplo. Ou a troca de histórias entre ele e um motorista de táxi gaiato. São momentos divertidos que, junto com a ternura da Morena (Juliana) com seu velho amante, compõem o que o filme tem de melhor.

Mas, são cenas isoladas. No conjunto, A Despedida não convence muito não. Ainda tenta uma epifania com a canção Esses Moços, de Lupicínio Rodrigues, intepretada pelo próprio. Mas o sublime está na música e não no que se vê na tela.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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