Artigas lutou na guerra hispano-portuguesa, combateu ingleses aliados dos portugueses e, apesar de derrotado (morreu exilado no Paraguai) transformou-se num dos pais da pátria uruguaia. O projeto, que faz parte de um conjunto de filmes sobre os heróis sul-americanos (Tiradentes será retratado pelo cineasta Marcelo Gomes), não tem qualquer ranço oficial. Charlone aproveita o tema para fazer uma aguda reflexão sobre a História e, sobretudo, como os registros históricos ambíguos são representados para as gerações posteriores.
O recurso narrativo é interessante. A imagem que resta de Artigas é baseada num quadro pintado por Juan Manuel Blanes em 1884. A pintura é uma encomenda oficial. Para reconstituir a imagem de Artigas, Blanes só dispõe de um caderno de esboços deixado por um espião espanhol, Gusmán, que se fez passar por jornalista para infiltra-se nas tropas de Artigas e assassiná-lo.
A história, por si só, já é rocambolesca como uma boa novela de folhetim. Contém, além do mais, uma interessante reflexão sobre o uso de imagens da história. O que se sabe de Artigas é que liderou uma guerrilha formada por pessoas do povo. A certa altura, garante que a riqueza daquele continente não era o ouro ou a prata, mas a gente que o formava. Blanes pinta o Libertador cercado do seu povo - gaúchos, índios, negros. Mas esta não era a imagem oficial que se desejava um século depois. De certa forma, pode-se dizer que a História é tanto reescrita como repintada, com os retoques que a versão oficial julga convenientes. Muito bom.