Foto do(a) blog

Cinema, cultura & afins

Opinião|Diário de Gramado 2011: Medianeira, Ponto Final e debate sobre a censura

GRAMADO - Dois filmes mais na competição de Gramado. Medianeiras, do argentino Gustavo Taretto, e o brasileiro Ponto Final, de Marcelo Taranto.

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Medianeiras é um estudo sobre o amor na era digital. Um rapaz, designer de websites, e uma garota, projetista de vitrines, são vizinhos, mas não se conhecem. É o mundo da moderna Buenos Aires, impessoal, digitalizada, cruel como qualquer grande cidade moderna.

PUBLICIDADE

O tom é de uma comédia romântica contemporânea, ágil, à la Tom Tykwer, o alemão de Corra, Lola, Corra. Quer dizer, formalmente cheio de esquemas espertos, que às vezes funcionam (em geral), mas tendem a artificializar demais a narrativa. O filme vê-se bem, passa rápido, e a dupla de atores tem carisma, em especial a atriz, a espanhola Pilar Lopes de Ayala, de Lope de Vega, de Andrucha Waddington.

Já Ponto Final é de um anacronismo poucas vezes visto no cinema brasileiro contemporâneo. A questão, entre os jornalistas era: por que esse filme fora selecionado, para expor-se em uma competição como Gramado? Em especial, como se sabe pelos bastidores, que havia muitas alternativas a ele entre os candidatos.

 E, no entanto, Taranto contra com um belo elenco para a sua versão da tragédia urbana brasileira. Sim, porque é disso que se trata. Roberto Bontempo é o pai arrasado e cheio de culpa porque sua filha, uma jovem otimista, foi vítima de uma bala perdida e morreu quando caminhava pelas ruas do Rio. Com o casamento arruinado, providencialmente, talvez, ele se encontra com uma misteriosa mulher, vivida por Hermila Guedes (de o Céu de Suely), que busca companhia masculina em transportes públicos - uma espécie de Dama do Lotação contemporânea.

Há também na história uma espécie de ônibus metafísico, conduzido por um Othon Bastos filosófico e um trocador dorminhoco e meditabundo (êpa!) vivido por Silvio Guindane. As falas são impostadas, declamativas, o texto é parnasiano e tudo lança o filme num artificialismo difícil de suportar.

Publicidade

Parece evidente que Taranto tinha na cabeça uma ideia generosa (a da culpa imotivada e sua reparação, além de um comentário pontual sobre a distopia urbana brasileira), mas não encontrou a forma para expressá-la.

No mais, o dia transcorreu com uma bem-sucedida mesa redonda sobre a hipotética volta da censura ao País, da qual participei como presidente da Associação Nacional dos Críticos. O motivo, você sabe, é a interdição do A Serbian Film, acusado de incitar a pedofilia.

Já se faltou demais sobre esse filme, que de fato é muito ruim, mas cuja ruindade fica até em segundo plano diante da possibilidade de retorno desse monstro social que é a censura. A grande "atração" do debate foi a presença de um advogado, diretor responsável pela classificação etária dos filmes e outras obras audiovisuais no Ministério da Justiça.

Super civilizado e culto, ele explicou como se dá o processo de classificação e fez o debate avançar. Claro que não concordo em tudo com ele, mas Davi (é seu nome), fez a plateia meditar sobre o tema da impossibilidade da liberdade absoluta. Haveria um longo debate a ser feito em torno desse tema, como vocês sabem, porque quem se arvora o direito de limitar a liberdade alheia o faz em nome do bem comum, o que parece razoável em alguns casos e atalho para o autoritarismo em outros. Até Hobbes entrou na discussão.

Como a classificação etária do filme sérvio foi afinal publicada (aliás, será na 2ª feira), em tese não existem mais barreiras para sua exibição no Brasil, com exceção do Rio de Janeiro, onde existe uma sentença impedindo sua veiculação. Mas o advogado não descartou que outras entidades, partidos políticos e interessados entrem com novas ações contra o filme. A coisa não acabou, portanto.

Publicidade

Sobra para nós a certeza de que existem mecanismos embutidos nas ambiguidades da lei que permitem a volta da censura, embora não com esse nome. O resultado, no fundo, é o mesmo, impedir a divulgação de obras que grupos sociais podem considerar nocivas à população.

No fundo, essas ações e os resultados que obtêm expressam tanto o arcaísmo autoritário do Estado Brasileiro quanto o da própria sociedade.

Seria o caso de lembrar aquela frase, já não sei de quem, mas tão sábia e atual: a liberdade é quase sempre a liberdade de quem discorda de nós.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.