E o que seria esse melhor? Ao que parece, uma qualidade já destacada por uma peça publicitária - o brasileiro não desiste nunca. É o que diz ao filho dona Lindu (Glória Pires) o tempo todo: "É preciso teimar." O exemplo era esse. A própria história da mãe de Lula é um exemplo de persistência, e também uma espécie de eixo ético da história. Casada com um alcoólatra violento, cria os filhos sozinha depois de largar o marido e mantém como ponto de honra que eles sejam honestos e trabalhadores. Pura teimosia, diante de um destino que não cessa de pregar peças à personagem.
A própria vida de Lula se parece à de um personagem de ficção, com todos os ingredientes necessários para ser transformada em exemplo de superação em condições adversas. Sua trajetória é folhetinesca, digna de um personagem de Hugo ou de Dickens e inclui pobreza, viagem em pau-de-arara para o Sudeste, infância miserável no litoral, brigas com o pai, a dificuldade para estudar, a militância sindical, a política, as candidaturas sucessivas até a chegada à Presidência. Teimosia pura. A "tese" do filme é que essa disposição mental da mãe passa ao filho e o leva ao seu destino. É dessa maneira que o diretor justifica as cenas finais, com imagens documentais da posse de Lula, em janeiro de 2003, depois de três tentativas frustradas de eleger-se. "Não poderia deixar de mostrar o fruto dessa teimosia", diz Fábio Barreto.
Bastante sereno, depois da agitada sessão da noite anterior, o diretor disse que se preparou muito para o projeto: "Me preparei para fazer um baita filme. Me informei muito, me concentrei, entrevistei mais de 200 pessoas, entre amigos, sindicalistas, prefeitos e autoridades. Hoje eu posso dizer que entendo de movimento sindical como talvez ninguém no Brasil." Quanto às críticas a respeito da linguagem cinematográfica da obra, Fábio diz que tinha muito claro o que desejava fazer. "Eu queria um melodrama mesmo. Um melodrama épico. Nada além disso. Queria ir fundo nas emoções. A partir daí, se for possível algum tipo de reflexão, ótimo."
A maneira como Lula é caracterizado, como herói sem mácula, foi questionada na entrevista. Fábio Barreto disse que procurou mostrar momentos de fraqueza do personagem, suas dúvidas, como quando perde a primeira mulher, morta com o filho em trabalho de parto. Mas o fato é que algumas passagens mais polêmicas foram limadas. Por exemplo, quando Lula abandona uma mulher, Miriam Cordeiro, grávida de Lurian, o que acabou virando peça acusatória na eleição de 1989, em que Collor o derrotou. "Só podemos trabalhar com autorizações das pessoas citadas e retratadas; e a Miriam Cordeiro não nos deu essa autorização", explica a produtora Paula Barreto.
Outro ponto questionado se dá quando, numa greve do início dos anos 1960, o gerente de uma pequena empresa é morto pelos grevistas. No livro de Denise Paraná, em que se baseia o filme, Lula entende que se trata de um ato de justiça, pois grevistas também haviam morrido. No filme, ele se revolta contra a violência dos companheiros. Não seria um retoque no retrato do biografado? A autora, que é também corroteirista, entende que não: "Tentamos captar o que seria a alma de Lula, e ele sempre foi um pacifista. Basta dizer que, quando assumiu a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos, sua primeira providência foi abolir o piquete violento e trocá-lo pela tentativa de convencer os trabalhadores de que eles não deveriam entrar nas fábricas", diz Denise.
O fato é que um retrato mais multifacetado talvez gerasse um personagem mais completo do que esse que está na tela - muito bem interpretado, aliás, por Rui Ricardo Diaz. Também é ótima a atuação de Gloria Pires como dona Lindu, a mãe. Ambos driblam diálogos que são às vezes muito fracos. Gloria, em especial, diz muito com o rosto, mais do que com as palavras, como na cena muito bonita em que assiste à formatura do filho como torneiro mecânico. Outra sequência forte é o comício liderado por Lula, no qual, por falta de equipamento de som, as palavras do orador têm de ser repetidas para o os que estão atrás e assim sucessivamente, por todo o estádio, como numa onda humana. Nesse momento há cinema de verdade na tela. E, portanto, emoção genuína. Lula, o Filho do Brasil é um filme muito bem produzido. Caso optasse por trabalhar com personagens menos unidimensionais, poderia ter ambicionado voo mais alto.
(Caderno 2, 19/11/09)