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Opinião|Diário de Brasília 2013 - O incendiário Riocorrente

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Mais que unanimidade, Riocorrente, de Paulo Sacramento, produziu um certo sentimento de desconcerto na plateia de Brasília. Ambientado em São Paulo, com tom fortemente documental, este primeiro longa de ficção de Sacramento é tão brutalmente energizado pelas tensões e contradições do aglomerado urbano que chega a produzir o efeito desesperador que é uma das características da vida naquela cidade. Talvez por isso tenha sido tão bem acolhido pela parte da plateia originária de São Paulo e não tão bem pelos outros. Às vezes, experiência direta é tudo.

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Sacramento não recorre tanto a palavras para jogar na tela esse efeito traumático do viver em São Paulo. Vale-se de choques entre imagens e sons, alguns efeitos especiais, rugidos e ameaças de feras, descidas na montanha-russa, grades ameaçadoras, cenas dos esgotos a céu aberto que são os rios. O trabalho, notável pelo impacto visual, é o último deixado pelo grande Aloysio Raulino. Enfim, nesse quadro de distopia radical, o espectador é jogado na voragem dos acontecimentos. Esboça-se um estranho triângulo amoroso, cujo vértice feminino é a fogosa Renata (Simone Iliescu) e os masculinos, o jornalista Marcelo (Roberto Audio) e o ladrão de carros Carlos (Lee Taylor). Há outro personagem assimétrico, o menino de rua chamado de Exu (Vinícius dos Anjos), adotado informalmente por Carlos.

De preferência à linearidade, Paulo Sacramento opta por uma forma paradoxal, com núcleos de acontecimentos, em que os desenhos psicológicos dos personagens evoluem e, por vezes, se contradizem. E no qual a forma narrativa ficcional vê-se invadida pela documental, como quando se veem cenas do incêndio do Joelma ou um relativamente longo depoimento do artista plástico Marcelo Grassmann sobre estética e vida. Ou seria o contrário? Um vasto documentário sobre aspectos de luz e sombra da cidade de São Paulo atravessado pela trama ficcional de quatro personagens vivendo no limite e à deriva?

Como uma daquelas formas ambíguas entre figura e fundo, Riocorrente ilude o espectador. É filme para ver e rever, tantas são suas camadas de interpretação. "Não quis oferecer respostas prontas, mas multiplicar perguntas", disse o diretor. De fato, tem caráter liberador para o pensamento. Ninguém sabe o destino de um filme mas, bem lançado e recebido por uma crítica disposta a entendê-lo, pode alcançar a mesma repercussão de O Som ao Redor. Hoje é unanimidade, mas quando lançado o filme de Kleber Mendonça Filho produziu mais perplexidade que admiração imediata. Necessitou um tempo de assimilação para ser aceito como o filme brasileiro mais importante dos últimos anos. Riocorrente pode chegar ao mesmo patamar. Em todo caso, é, até agora, o grande filme do Festival de Brasília deste ano.

Plano B, de Getsemane Silva, refaz, em um primeiro momento, a saga de um filme "maldito". Brasília: contradições de uma Cidade Nova foi rodado pelo cinemanovista Joaquim Pedro de Andrade. Originalmente uma encomenda da Olivetti, o documentário saiu dos trilhos, no bom sentido, pelas mãos de Joaquim Pedro. Ao invés de elogioso cartão postal do modernismo brasileiro, tornou-se crítico, irônico e incômodo. Recebeu visto provisório da censura para participar do Festival de Brasília de 1967, mas depois teve problemas de circulação. Getsemane, no entanto, não fica apenas no filme. Através de três participantes do projeto originário de Joaquim Pedro, o fotógrafo Affonso Beato, o roteirista Jean-Claude Bernardet, e o entrevistador Joel Barcellos, acolhe a Brasília atual e nota que as coisas não mudaram tanto. Em especial para as classes mais pobres. Quem construiu o Plano Piloto foi forçado a deixá-lo para morar em cidades-satélites distantes, como Taguatinga e Ceilândia. A utopia igualitária de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer ficou na prancheta. Joaquim Pedro já havia notado isso sete anos após da fundação da nova capital.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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