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Opinião|Diário da Mostra 2014. Sono invernal

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
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Winter Sleep é um filme sobre o tempo, e não apenas devido à sua duração de 3h16. O tempo está em sua estrutura mesma e não somente em sua extensão. O longa de Nuri Bilge Ceylan foi contemplado com a Palma de Ouro em Cannes este ano. Isso, depois de o diretor turco se firmar como um dos autores mais premiados dos últimos tempos no festival francês - palma de direção por 3 Macacos em 2008 e Grande Prêmio do Júri por Uzak, em 2003, e Era uma Vez na Anatolia, em 2011.

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Conta em seu favor um traço autoral facilmente reconhecível desde os primeiros planos de seus filmes, a ocupação da tela inteira com panoramas desolados, nos quais o ser humano parece desaparecer ou, ao menos, tornar-se minúsculo e oprimido. É assim em Anatolia e, também assim, em Winter Sleep, esse longo sono de inverno em que parece imerso o personagem principal, Aydin (Haluk Bilginer), um ex-ator e escritor de meia idade, casado com mulher mais jovem, em meio à sua propriedade rural agora transformada em hotel.

Nesta propriedade, há inquilinos de casas no entorno do hotel, que as alugam desde o tempo do pai de Aydin. Numa delas, a família se encontra em dificuldades e atrasa nos pagamentos. Será um dos polos do conflito instalado em torno de Aydin. Os outros a própria esposa e uma irmã que, separada do marido, veio morar com ele e funciona como uma espécie de consciência crítica de tudo aquilo que ele escreve ou faz.

Na verdade, Aydin é uma espécie de consciência infeliz, que atravessa mal a meia-idade e sente-se desconfortável no posto herdado do pai. O envelhecer é essa linha que liga o Aydan atual ao jovem idealista que ele um dia foi, o que nunca é mostrado, mas inferido pelas conversas que tem com os outros.

E como se conversa neste filme! Os diálogos são longuíssimos, seja entre Aydan e seu ajudante de ordens, seja entre ele e a esposa e entre ele e a irmã. Há também demorados encontros com amigos, em conversas sempre regadas a muito álcool. Bebe-se, fuma-se e conversa-se muito em Winter Sleep. Os reais dramas filtram-se através desses diálogos que nem sempre se referem diretamente ao assunto crucial que os motivou. O filme é profundamente alusivo.

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Mas há um incidente crucial, em torno do qual se pode dizer que ronda toda a trama. Um dia, o carro de Aydin é apedrejado por um garoto numa das desoladas estradas do planalto da Anatolia, onde tudo se passa. O menino é filho de um inquilino de Aydan, justamente aquele que está em atraso nos aluguéis e pode ter se sentido ofendido com a cobrança. Esse é o trauma, uma espécie de fenda em torno da qual se estrutura toda a narrativa.

Aydin é o tipo deslocado, o homem fora do lugar. Infere-se que seu pai, o antigo proprietário das terras, comportava-se como um senhor feudal, de autoridade indiscutível. Ora, agora o dono é um ex-ator, um in

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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