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Cinema, cultura & afins

Opinião|Diário da Mostra 2014. O avesso do paraíso

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

 

Em O Outro Lado do Paraíso, André Ristum adapta o livro em que o escritor Luiz Fernando Emediato relembra suas aventuras de infância e o relacionamento com um pai inquieto.

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O tempo dá a medida das coisas neste longa que imergem em um período em particular conturbado da história brasileira. E esse é um dos tempos a que se refere. Tempo de golpe militar, portanto de transformação violenta do cotidiano das pessoas. O outro tempo é aquele em que, a partir do presente se reavalia o passado. Isto é, numa perspectiva democrática (com todas as suas imperfeições) rememora-se uma época de ruptura e perda das liberdades políticas e individuais.

A figura central dessa rememoração é o pai. Pai-herói, na verdade, vivido por Eduardo Moscovis no papel de Antonio. Ele é o inquieto, que funda família no interior de Minas Gerais, mas não para em casa, atrás sempre de oportunidades para melhorar de vida. Essa inquietação o leva a Brasília, ainda uma utopia em construção em pleno Planalto Central. É a época do desenvolvimentismo, dos "cinquenta anos em cinco", de JK, sucedido pelo breve e desestabilizador governo de Jânio Quadros, substituído, com a renúncia, por João Goulart. Um quadro de crise, em que avanços sociais de um lado e reacionarismo e a suposta ameaça comunista, de outro, levam ao golpe civil-militar.

Nesse quadro, o garoto Nando (Davi Galdeano), vive sua descoberta amorosa e testemunha tanto os esforços do pai como seu drama, quando, na condição de sindicalista em Brasília, é colhido pelo golpe e pela truculência da ditadura recém-instalada. O filme possui qualidades, em especial por atuações como as de Moscovis e Simone Iliescu, no papel da mãe de família. O garoto é promissor. O estilo um tanto romântico provoca certa perda de tônus. A ênfase é maior na construção da imagem do pai pelos olhos do filho do que na voragem política do momento, embora sinta-se o desejo de equilibrar os dois níveis da narrativa. Uma questão de ponto de vista, mas se pode dizer que a mise-em-scène poderia se construir com têmpera mais aguda e adequada para as circunstâncias evocadas.

 

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 Foto: Estadão

Patentes.

A Guerra das Patentes, da alemão Hannah Leonie Prinzler é um documentário sóbrio, porém muito bem feito, e que traz informações surpreendentes. O próprio filme é fruto do espanto da diretora quando soube que genes associados ao câncer dos seios eram objetos de patente de um laboratório norte-americano. Ou seja, a mulher que desejasse  fazer um teste para saber se teria propensão a desenvolver esse tipo de doença teria de desembolsar os US$ 4 mil exigidos pela empresa para realizar o exame. Os laboratórios concorrentes não podiam fazer os testes porque o gene fora patenteado.

Absurdo? Sim, mas o caso não é exceção. As leis de patentes, que visam em princípio proteger a propriedade intelectual, tornaram-se ferramentas da competição selvagem entre grandes empresas, em todos os ramos de atividade, da informática à indústria farmacêutica, passando pelas multinacionais dos alimentos. Os casos são bem descritos, através de boas entrevistas, conduzidas com rigor de quem se aprofundou na matéria antes de colocar-se a campo e filmar.

Outras dicas:

Riocorrente, de Paulo Sacramento (Brasil). Ótima chance de ver no vão livre do Masp a poderosa ficção de Sacramento sobre São Paulo, do caos urbano e dos amores turbulentos. Um dos melhores filmes sobre a cidade nos últimos anos.

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Acima das Nuvens, de Olivier Assayas. Última chance para ver o novo trabalho do diretor de Carlos e Depois de Maio. Assayas mira agora o mundo do teatro e sua matéria de trabalho é a passagem do tempo através da história de uma atriz que envelhece.

Profecia - a África de Pasolini, de Gianni Borgna e Enrico Menduni. Baseado em textos e imagens deixados por Pier Paolo Pasolini, cineasta assassinado em 1975, os diretores mostram sua clarividência ao afirmar que África e Europa seriam continentes cada vez mais próximos no final do século 20 e início do século 21.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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