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Opinião|Diário da Mostra 2013 - 'Centro Histórico' e outras dicas

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
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Esse filme de nome banal - Centro Histórico - é uma pequena maravilha, composta de quatro joias. Parte do evento que tornou a cidade portuguesa de Guimarães a capital cultura da Europa em 2012, Centro Histórico compõe-se de episódios dirigidos por Aki Kaurismaki, Pedro Costa, Victor Erice e Manoel de Oliveira.

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Aki Kaurismaki é finlandês, mas mora há 20 anos em Portugal. Filma, com imenso senso de nostalgia (sentimento conhecido de perto pelos portugueses), uma velha tasca lusitana, estabelecimento possivelmente em via de desaparição. O dono, ou garçom do local, prepara laboriosamente um caldo verde enquanto espera por clientes raros. O fado acompanha essa delicada peça de câmera.

Em seu episódio, o português Pedro Costa convoca seu ator/personagem fetiche, Ventura, o cabo-verdiano sempre às voltas com suas lembranças. Ele "contracena", em um elevador transformado em palco, com a soturna estátua de um soldado colonizador. São ecos da colônia e também da pobreza do antigo bairro das Fontainhas (demolido) , onde os moravam os imigrantes africanos em Lisboa.

A preciosidade maior fica por conta do espanhol Victor Erice (de O Espírito da Colmeia), com seu estudo sobre a classe trabalhadora portuguesa através da foto de refeitório de uma fábrica de tecidos fundada no século 19 e que fechou as portas em 2002. Antigos operários são ouvidos e confronta-se a sua fala atual com o que dizem, de forma muda, porém muito expressiva, aqueles rostos dos trabalhadores do passado congelados na fotografia. Comovente.

A parte final leva a assinatura do mestre Manoel de Oliveira. Com sabedoria centenária, ele comenta o fato de as pessoas terem perdido a capacidade de enxergar. Seu neto, Ricardo Trêpa, interpreta o guia que conduz um grupo de turistas pelas ruas de Guimarães até a estátua de Affonso Henriques, fundador da nação lusitana. Todos sacam de suas câmeras, mas não conseguem enxergar o que têm diante dos olhos. Vão ver depois, talvez, quando chegarem às suas casas. É a cegueira contemporânea, que o velho cineasta detecta.

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Cegueira causada pela banalização das imagens.

Outras dicas:

Que Estranho Chamar-se Federico - Scola conta Fellini, de Ettore Scola. Não poderia haver melhor escolha para encerrar a Mostra 2013. Ettore Scola revive sua amizade com Federico Fellini, justamente no dia em que se completam 20 anos da morte do diretor de 'A Doce Vida' e 'Amarcord'. No Festival de Veneza provocou uma comoção geral. Não deve ser diferente no Brasil, onde Fellini ainda deve ter (é o que se espera) uma legião de fãs.

Grigris, de Mahamat-Saleh Haroun. Comovente mas nunca piegas história de amor por um rapaz com deficiência física e uma garota de programa, em meio à violência do Chade. Direção seca e segura do mesmo cineasta de O Homem que Grita, que passou na Mostra anos atrás.

Chaika, de Miguel Ángel Jimenez. Chaika era o apelido da primeira cosmonauta russa, Valentina Tereshkov, e também de uma moça cazaque que não se conforma com as limitações de sua aldeia e sai para tentar a vida. Torna-se prostituta, mas encontra um protetor inesperado. Drama vigoroso ambientado nas estepes da Geórgia, pois o diretor não pôde filmar no Cazaquistão. Chaika significa 'gaivota'.

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Miss Violence. Alexandros Avranas. Última chance para ver o filme que fez sensação (e causou escândalo) no Festival de Veneza, no qual ganhou dois prêmios. História de uma família altamente disfuncional, na qual o pai se serve das filhas para fazer dinheiro. Sintoma altamente explosivo da crise em que a Grécia afundou.

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Bobô. Inês Oliveira. Sensível drama francês em que uma mulher viúva começa a enxergar outro tipo de realidade através da empregada africana que trabalha em sua casa. O relacionamento de Portugal com as ex-colônias aparece inteiro neste drama só aparentemente intimista. Na verdade, é uma história de choque cultural.

Uma Vida Longa e Feliz. Boris Khlebnikov. Rapaz arrenda terreno e emprega vários camponeses em regime de cooperativa. Mas grupos de especuladores desejam desalojá-los. A princípio tentado pelo dinheiro, depois ele recua em favor dos seus empregados. Drama soturno e sem esperança sobre a Rússia contemporânea e a ação das máfias na retomada capitalista após a queda do comunismo.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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