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Opinião|Diário da Mostra 2013 - 'Cães Errantes' e outras dicas

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Quem são os cães errantes do filme de Tsai Ming-Liang? Obviamente os seres humanos à margem da sociedade de consumo. No caso, eles estão em Taipé, capital de Taiwan, China insular. Poderiam viver (?) nos Estados Unidos ou na Europa, em São Paulo ou em Caracas. São o subproduto social, o lúmpem, os restos do metabolismo econômico, os que não têm vez e cuja existência é motivo de incômodo nas grandes cidades.

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No filme, são duas crianças e um pai vivendo num prédio abandonado, aos quais se une uma mulher, em circunstâncias inesperadas. O homem ganha alguns trocados usando em torno do corpo aquelas placas de publicidade. Homem-sanduíche, como se diz por aqui. Numa das cenas mais impressionantes, ele exibe o seu produto sob chuva, protegido precariamente por uma capa plástica. A duração da cena, o barulho da chuva e do vento causam uma sensação de desconforto profundo no espectador.

E aí, talvez, esteja a razão para uma das características marcantes de Ming-Liang: a duração. Alguns planos têm sete, oito minutos. O mais longo deles, 13 minutos de imagens quase estáticas. O "quase" é fundamental. Porque o plano pode estar parado, mas a expressão dos atores, não. É neles que o diretor se concentra e são os sentimentos que imprimem força ao filme, por mais que o resultado possa parecer chato a um espectador ansioso.

Daí essa estética na contramão do veloz (e superficial) consenso contemporâneo. Amamos e louvamos tudo que seja leve, rápido, bem-humorado e sem compromisso. Tudo é reciclado no liquidificador da "cultura" pop e nada deixa rastro. Porque não precisa e nem deve deixar mesmo. O produto precisa ocupar um espaço de mídia e desocupá-lo em seguida, para que outro produto vendável e semelhante o substitua. Nossas mentes estão sendo formatadas desta maneira.

Então, de vez em quando, aparece um artista como Tsai Ming-Liang e propõe uma coisa diferente - que se olhe para as imagens com atenção. Intensamente, e delas se tire a impressão que merecem. É um desafio e tanto, talvez, e muito provavelmente, fadado ao fracasso. Mas é uma bela tentativa ética.

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Mais dicas:

Exilados do Vulcão. Paula Gaitán. Vencedor do Festival de Brasília, este filme sensorial e poético fala da memória e de paisagens passadas. Uma pilha de fotografias e alguns manuscritos ficam como rastros de alguém que já se foi e é recordado por sua mulher.

O Exercício do Caos. Frederico Machado. A história é a de um pai que vive com três filhas em sua fazenda no interior do Maranhão. O diretor convida a um clima fantástico em que, certa irregularidade de narrativa convive com momentos de boa inspiração. Um filme fora do eixo e independente para valer.

O Grande Mestre. Wong Kar-Wai. O virtuosismo do diretor se revela já na primeira sequência, uma fantástica luta de artes marciais sob chuva torrencial. A história é a de Ip Man, que passa por ter sido mestre de Bruce Lee. Sua trajetória confunde-se com a da China ao longo da primeira metade do século 20.

Um Toque de Pecado. Jia Zhang-ke. Bastaria o nome do diretor, um dos principais da atualidade, para garantir o interesse do filme. Na trama, um minerador se revolta contra a corrupção dos líderes da sua comunidade. Outras histórias convergem para a temática do abuso da autoridade, assunto urgente na China contemporânea. Para falar a verdade, urgente em toda parte.

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Conversa com JH. Ernesto Rodrigues. O filme ganha importância com o atual debate das biografias autorizadas. O diretor é biógrafo do controverso João Havelange, ex-presidente da CBF e da Fifa. Havelange havia assinado documento autorizando a biografia mas depois voltou atrás ao conhecer seu conteúdo. O autor fez concessões e alterou partes do texto. Gravou sua discussão com o biografado e expõe a gravação a três amigos jornalistas, que a debatem. Muito oportuno, não apenas pela questão da lei, mas das em geral problemáticas relações entre personagens e biógrafos "não oficiais".

Programação e informações: www.mostra.org

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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