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Opinião|Diário da Mostra 2011: Marighella

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Atualização:

 

Há um lado afetivo em Marighella, documentário de Isa Grispum Ferraz sobre o guerrilheiro, morto pela polícia política em plena ditadura. Carlos Marighella (1911-1969), quadro histórico do Partido Comunista e dirigente da ALN (Ação Libertadora Nacional), era tio de Isa.

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Assim, à reconstrução histórica da figura do militante mesclam-se recordações afetivas da diretora, que fala de um tio carinhoso, porém cercado de mistérios, que aparecia de vez em quando e, em seguida, sumia do mapa. Fala, por fim, de como a notícia da morte do tio querido veio pela televisão, quando a família assistia a um Corinthians x Santos muito especial, pois naquela noite no Pacaembu caía a série de vitórias de 11 anos ininterruptos do time da Vila Belmiro sobre seu rival.

Mas é preciso dizer que essa pátina familiar é muito tênue e que o cerne do filme é a reconstrução histórica da figura do guerrilheiro. O percurso de Marighella é revivido de maneira ampla, tendo como consultor o jornalista Mário Magalhães, que prepara a sua biografia. Isa utiliza entrevistas com militantes de esquerda, que combateram ao lado do guerrilheiro, o depoimento de Clara Charf, sua viúva, de seu filho Carlos Augusto Marighella e de figuras notáveis na resistência à ditadura, como o professor Antonio Candido Mello e Souza, que tem Marighella na conta de um herói do povo brasileiro.

Há, além disso, narrativa em off de poemas e escritos de Marighella, interpretados pelo ator Lázaro Ramos e, para finalizar, um arrepiante rap inédito de Mano Brown, celebrando a biografia do personagem e destacando sua luta em favor dos pobres.

Marighella não é um documento jornalístico sobre a controvertida figura de um guerrilheiro. Não "ouve o outro lado", ou os outros lados, como em termos ideais deveria fazer uma reportagem de jornal, uma pesquisa acadêmica ou mesmo uma biografia isenta. Não é imparcial. É o filme de um lado: o de uma pessoa da família, e também o de uma parcela da sociedade brasileira, aquela que simpatizou com a luta contra a ditadura militar. E, mesmo aí, encontram-se divisões, pois o próprio Marighella deixou os quadros do Partido Comunista quando este se opôs à resistência armada ao regime. É possível que quem acredita na resistência pacífica não tenha simpatia por quem pegou em armas para se opor.

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De qualquer forma, Marighella foi uma das figuras simbólicas na luta contra a ditadura e morreu defendendo suas ideias, sem recuar um passo. O homem que cai nessas circunstâncias não morre. Fica encantado, como dizia Guimarães Rosa.

(Caderno 2)

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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