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Cinema, cultura & afins

Opinião|Diário da Mostra 2010: MicMacs - um Plano Complicado

Jean-Pierre Jeunet tem estilo, isso não se nega. Barroco, artificioso, às vezes cheio de engenho. Tudo isso faz parte da sua assinatura, logo reconhecível, desde que seu Delicatessen (em parceria com Marc Caro) apareceu por aqui. A mesma marca está em Ladrões de Sonhos e, em seu melhor trabalho, O Fabuloso Destino de Amélie Poulain. Reaparece, inalterável, neste MicMacs - um Plano Complicado. Desta vez, a sua visão de mundo (porque é disso que se trata nesse estilo tão definido) aparece na maneira como se vê e se opõe à suposta vocação guerreira do ser humano. O personagem principal, Basil (Dany Boon), tem tudo para detestar armas de qualquer espécie. Seu pai morre por ação de uma mina no Marrocos; ele próprio é vítima de uma bala perdida. O ferimento o deixa à beira da morte e produz seqüelas. Perde seu emprego e vaga pelas ruas, até encontrar um singular vagabundo, que o apresentará a um grupo de seres extravagantes, vivendo num esconderijo - um homem-bala, uma contorcionista, um gênio em matemática, etc. O grupo se colocará a serviço do combate a dois poderosos traficantes de armas.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Desse modo, a aventura proposta por Jeunet se resume a invadir a casamata desses senhores da guerra e levá-los à perdição. Seria mesquinhez negar a originalidade com que Jeunet faz sua denúncia da guerra, vista não como "loucura", como pacifistas ingênuos costumam defini-la, mas como negócio lucrativo - o que a torna mais criminosa ainda. Fosse apenas um desvario, seria algo a lamentar, uma insanidade inscrita na limitada natureza humana. Mas, como fato destinado a vender armas e produzir lucro, revela-se simplesmente execrável. É o que está no centro, digamos, ideológico, do filme e se refere, obviamente, ao envolvimento europeu na Guerra do Iraque, mais recente manifestação dessa atividade comercial a serviço da morte e do dinheiro.

Que essa ação venha de um grupo de marginalizados, é expressão do pensamento social de Jeunet. Ele o veste com sua marca pessoal, o aspecto lúdico. Sua paixão por engenhocas e seu afeto pelo registro fotográfico um tanto estiloso, sua busca da maneira mais inesperada de atingir um alvo - tudo isso está lá, inevitavelmente. Quem prefere a simplicidade, que a busque em outra parte. Tem lá seu encanto.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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