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Opinião|Depois de Lúcia - o bullying e o fim da intimidade

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

 

Fui ver, tardiamente, o filme mexicano Depois de Lúcia, de Michel Franco. Informação: foi premiado em Cannes na seção Un Certain Regard, para diretores estreantes.

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Mas e daí? O filme se impõe por ele mesmo, sem a necessidade de aval externo. Mas é preciso que o espectador seja cúmplice - isto é, que aceite ficar no escuro durante parte da história. De fato, por que será que aquele homem corpulento vai buscar um carro numa oficina mecânica, ouve uma descrição das avarias consertadas, sai dirigindo e, de súbito, abandona o veículo no meio da rua?

Por que vemos depois o mesmo homem, com sua filha, dirigindo outro carro, em busca de outra cidade para morar e se estabelecer?

Enfim, o enredo vai sendo completado aos poucos e, a partir de certo momento, temos uma história mais linear, terrível nela mesma, e pela qual o filme fez a sua fama. Uma história de bullying que aliás termina muito mal.

O filme chama a atenção pela maneira como se constrói. Não apenas por esse aspecto um tanto enigmático do seu início, como pelo uso de uma câmera estática, que põe os atores no quadro e lhes dá tempo e autonomia para interagir e desenvolver seus personagens.

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Curioso é que os Cahiers du Cinéma tenham detonado Depois de Lúcia. O "argumento" é a interminável hora em que Alejandra (Tessa Ia) é submetida ao abuso de colegas, sem esboçar qualquer reação. Creio que é a passividade que nos incomoda. Talvez estejamos tão viciados na proativa ficção norte-americana que esperamos sempre uma reação, uma volta por cima, um ato de heroísmo. Mesmo ali onde, sabemos, as vítimas se mostram mais indefesas. As escolas são esses lugares. Talvez a crueldade dos adolescentes também incomode nesta época em que prestamos reverência ilimitada à infância e à juventude.

É também o que determina certa rejeição a A Caça, de Thomas Vinterberg, com o agravante de que, neste, a crueldade inicial emana de uma linda criança loira e com ar inocente. Enfim, as pessoas podem se iludir o quanto quiserem, mas certa dose de sadismo parece ser inerente ao ser humano, em especial quando age em grupo. Ou em bando, se se quiser.

Além do mais, Depois de Lúcia mostra como esse sadismo, na forma do bullying, pode ser intensificado em nossa época pelo uso dos recursos digitais e da internet. Um mau passo gravado pelo celular e postado na rede pode arruinar uma vida.

Talvez ainda não tenhamos nos familiarizado com esse fato assustador: a intimidade não existe mais.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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