Luiz Zanin Oricchio
14 de maio de 2012 | 18h34
Recebi esses comentários do antropólogo Felipe Lindoso sobre Xingu, o filme de Cao Hamburguer. Como os considero muito interessantes para nós, críticos, que costumamos discutir a questão estética, transformo-os em post. Leiam, pois valem a pena.
“Prezado Zanin,
Demorei a ver o filme, e gostaria de compartilhar com você algumas observações.
Li o livro do orlando – afinal, sou antropólogo – e gosto muito. Mas o filme, no meu entender, transformou o relato de uma vida em um material sem força dramática. Acho que é um velho problema do cinema brasileiro, querer abarcar longas históricas e não sacar que a força dramática do filme vem do foco em determinados pontos da ação.
Dessa maneira, o Xingu na verdade poderia ser três filmes. O primeiro é o da transformação de três jovens urbanos em aventureiros e exploradores. Afinal, eles se alistam como analfabetos e peões e o filme corta depois para os irmãos como chefes da expedição. A dramaticidade dessa transformação foi jogada no lixo. Se o filme terminasse no encontro com os Kalapalo já seria um primeiro grande filme.
O segundo é o da criação do parque. Afinal, a façanha dos Villa Boas foi não apenas conseguir a érea, mas convencer etnias que, em alguns casos, eram inimigas, a estabelecer um modus vivendi no parque. Essa dinâmica se dilui no filme.
O terceiro filme seria o das contradições que eles têm que enfrentar: transigir para conseguir os objetivos maiores, abrir a base do Cachimbo para conseguir o parque; os dilemas de Leonardo, que reprime e esconde seu relacionamento com uma índia ao mesmo tempo que condenou o irmão; a própria história da paixão de Orlando e Marina.
Enfim, uma grande história que fica ótima no livro, pela sua forma, e que se dilui no filme, ao qual falta, no final das contas, densidade dramática.
Acho que o relativo fracasso de público se deve a isso. Como filme, é fraco.
Só complementando. Imagine se o Cao, no filme O Ano em que maus Pais… começasse contanto a militância do casal, passasse pela história do menino no Bom Retiro e ainda continuasse contando a morte dos militantes. Ficaria uma linguiça enorme e chata. O roteiro resolve tudo centrando no menino que ficaria com o avô e termina com a comunidade dos judeus do Bom Retiro, e o resto está implícito, não precisa ser contado ali.
Abraço”
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