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Cinema, cultura & afins

Opinião|Começa hoje a Mostra de Gostoso

Cinema na praia e filmes de ótima qualidade na mostra de São Miguel do Gostoso, cidade litorânea do Rio Grande do Norte, a 100 quilômetros de Natal

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Sessão na Praia do Maceió, em São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte Foto: Estadão

 

São Miguel do Gostoso/RN - Pacarrete, de Allan Deberton, com Marcélia Cartaxo, ganha hoje uma tela privilegiada. Ela será montada na Praia do Maceió, em São Miguel do Gostoso, paradisíaca praia a 100 quilômetros de Natal. A história da velha bailarina, interpretada de maneira genial por Marcélia, será a primeira a competir nesta 6ª edição da Mostra de Cinema de Gostoso, conhecido como o mais charmoso festival de cinema do país. Pacarrete disputa os troféus Luís da Câmara Cascudo com outros três longas-metragens: Casa, de Letícia Simões (BA), Vermelha, de Getúlio Ribeiro (GO) e Fendas, de Carlos Segundo (RN).

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Esses são os longas-metragens em competição. Mas há outros, fora de concurso, inclusive o badalado Bacurau, de Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, filme que gerou o mais intenso debate político-cinematográfico dos últimos anos. Também fora de concurso, o longa de terror Noite Amarela, de Ramon Porto Mota (PB), a ser exibido na noite de encerramento. 

Um média-metragem (o mineiro Sete Anos em Maio, de Affonso Uchôa, diretor de Arábia) e cinco curtas disputarão o Troféu Cascudo na categoria. São eles os potiguares A Parteira, de Catarina Doolan, e Em Reforma, de Diana Coelho; Marie, do pernambucano Leo Tabosa, Quebramar, da paulista Cris Lira, e Plano Controle, da mineira Juliana Antunes.

Este ano, a Mostra Coletivo Nós do Audiovisual apresentará quatro curtas: as ficções Ando Me Perguntando, de Clara Leal, e Carta Branca, de Rubens dos Anjos e Levi Jr, e os documentários Júlia Porrada, de Igor Ribeiro, e Labirinteiras, de Renata Alves. 

A seção Panorama apresenta característica especial, sendo formada por títulos mais exigentes do ponto de vista estético. Três longas (todos documentais) são dirigidos por nomes femininos: A Mulher de Luz Própria (sobre a trajetória da atriz Helena Ignez), de Sinai Sganzerla, Chão (detalhado registro do cotidiano de trabalhadores que vivem em assentamento goiano do MST), de Camila Freitas, e Diz a Ela Que Me Viu Chorar, de Maíra Bühler, pungente registro sobre dependentes químicos e sua luta por saúde e dignidade. O paraibano Torquato Joel completa a programação com Ambiente Familiar, original trabalho, entre a ficção e o documentário, sobre três rapazes que constroem novo arranjo familiar. 

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No total, serão mais de 60 produções, incluindo longas, médias e curtas-metragens. Com ênfase na produção local, em particular as elaboradas pelo grupo Nós do Cinema, coletivo criado e mantido pelos curadores da mostra, os cineastas Eugênio Puppo e Matheus Sundfeld. Os curtas, feitos pelos próprios habitantes da pequena cidade (população de cerca de 10 mil pessoas), são os que fazem mais sucesso na Mostra de Gostoso. Claro: as pessoas adoram se ver na tela e, por essa razão, o cinema é esse poderoso espelho, fixador de identidades, que cumpre função simbólica muito além do simples entretenimento. Mas vá colocar uma ideia sofisticada como essa na cabeça de um desses economistas liberais que só vêem, mastigam e digerem números. 

Ao criar a mostra, a ideia dos curadores foi trazer cinema, na tela grande, a um município que, como a maioria das cidades brasileiras, não possui sala de exibição. Com as oficinas, formar quadros técnicos e artísticos para o ofício do cinema. E, sobretudo, envolver as pessoas na fruição e debate dos filmes brasileiros, colocando o cinema como fator de mobilização cultural, que é o que deve ser. Um filme não é apenas umas diversão, mas pode ser, também, estímulo para reflexão e, talvez, para mudança. Daí a presença de obras como Bacurau, que discutem os temas do colonialismo e da resistência popular. Ou Pacarrete, que, a par da história comovente, debate assunto tão urgente como a imposição mercadológica de um padrão cultural único e, portanto, empobrecedor. 

Outra sacada importante foi dar qualidade profissional à exibição. Cinema ao ar livre não precisa ser sinônimo de improviso e precariedade técnica. Em plena praia, os filmes são exibidos num telão de 12m x 6,5 m, projeção com resolução 2K e som 5.1. Nível profissional. Os filmes merecem todo o respeito. E os espectadores também. Na "sala", há cerca de 600 poltronas, tipo espreguiçadeira de lona. Mas a população também chega com suas próprias cadeiras de praia, ou esteiras, e se acomoda em torno da tela. Calcula-se que, tudo somado, as plateias podem chegar a cerca de 2 mil pessoas por noite. É uma festa da cidade. Uma linda festa para todos nós, que andamos tão precisados de celebrar alguma coisa. 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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