Foto do(a) blog

Cinema, cultura & afins

Opinião|Começa a maratona do Olhar de Cinema 2021

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

 

Começou ontem e vai até dia 14/10 um dos principais festivais brasileiros, o Olhar de Cinema, de Curitiba, em versão online. São 77 filmes, entre longas, médias e curtas-metragens. O festival, como se sabe, privilegia o cinema de invenção, autoral, fora do circuito comercial. 

PUBLICIDADE

Na sessão de abertura foi exibido O Dia da Posse, de Allan Ribeiro. Obra do confinamento, ou seja, feita em casa, na pandemia, apresenta um personagem definido como carismático, o jovem baiano Brendo Washington, que fala para a câmera de seus sonhos e receios. 

Em sua fala, e nos diálogos que mantém com a família por computador, Brendo verbaliza o país rachado em que se tornou o Brasil e as possibilidades (estreitas) que se tem de superar essas fissuras. Allan é autor de Esse Amor que nos Consome, de mesma inspiração intimista. 

Ainda mal comecei a ver os filmes e hoje já me aguarda uma maratona de quatro longas-metragens, que vou distribuir ao longo do dia. 

Por enquanto, destaco uma atração do dia 9/10: O Bom Cinema, de Eugênio Puppo, que põe em cena o famoso "cinema marginal", feito na Boca do Lixo em São Paulo. Coloca em evidência um dos seus principais realizadores, Carlos Reichenbach, mas também Rogério Sganzerla, João Callegaro e outros. 

Publicidade

Puppo propõe uma imersão na cultura "marginal" através de uma pesquisa minuciosa de imagens de filmes e documentários. Usa, abundantemente, uma ótima entrevista de Reichenbach de 1977, concedida ao programa Luz, Câmeras, da TV Cultura. 

Nela, Carlão admite que o Cinema Novo foi o momento maior do cinema brasileiro. Mas perdeu seu impulso no final dos anos 1960 e acabou num acordo com os militares para a criação da Embrafilme e de uma estética nacional-popular. 

Sganzerla também opina que o Cinema Novo se constituiu como grupo fechado, impermeável a outros cineastas e outras ideias estéticas. Em suma, uma panelinha. 

Questiúnculas à parte, O Bom Cinema nos faz retornar a uma época tresloucada, em que o Brasil afundava na ditadura escancarada do AI-5. Ao mesmo tempo, era a transição de uma estética de proposta revolucionária para o diagnóstico dilacerado de Terra em Transe, o Tropicalismo e o Cinema dito "marginal". 

Carlão, em seu depoimento, fala das obras fundadoras, como O Bandido da Luz Vermelha e As Libertinas. Fala também do "manifesto do cinema cafajeste, assinado por João Callegaro. A título de curiosidade, transcrevo o texto abaixo: 

Publicidade

Manifesto do Cinema Cafajeste

PUBLICIDADE

por João Callegaro

Cinema cafajeste é cinema de comunicação direta. É o cinema que aproveita a tradição de 50 anos de exibição do "mau" cinema americano, devidamente absorvido pelo espectador e que não se perde em pesquisas estetizantes, elocubrações intelectuais, típicas de uma classe média semi-analfabeta.

É a estética do teatro de revistas, das conversas de salão de barbeiro, das revistinhas pornográficas. É a linguagem do "Notícias Populares", do "Combate Democrático" e das revistinhas "especializadas" (leia-se Carlos Zéfiro). É Oswald de Andrade e Líbero Rípoli Filho; é "Santeiro do Mangue" e "Viúva, Porém Honesta": obras primas.

É cinema tipicamente brasileiro, portanto é o cinema cafajeste paulista, sem bairrismos, porém com uma visão lúcida da fauna paulistana.

Publicidade

Preparem-se cinéfilos frustrados, adoradores dos Cahiers e de Godard, pois o cinema cafajeste já é uma realidade. É o cinema de Rogério Sganzerla, o cinema de Roberto Santos (de "O Grande Momento" e o genial episódio de "As Cariocas"), de Mojica Marins; é o verdadeiro cinema paulista.

E o seu valor será contado em cifras, em borderôs, em semanas de exibição: em público. E os filmes serão geniais.

São Paulo - 1968

 

O Olhar de Cinema 2021 apresenta  também o novo filme de Júlio Bressane, Capitu e o Capítulo, que vou ver agora à tarde. Bressane é sempre Bressane e todo filme seu é digno de, no mínimo, interesse. Estou curioso. Ainda mais porque mexe, mais uma vez, com o grande ícone da literatura brasileira, Machado de Assis. Sempre o faz de maneira original, com assinatura própria. Depois comento.  

Os filmes custam R$ 5 e ficam disponíveis durante 24h a partir da compra. A programação pode ser consultada em https://www.olhardecinema.com.br/. É preciso fazer um cadastro para alugar os filmes. 

Publicidade

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.