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Opinião|Com brasileiro não há quem possa*

 

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Um a um eles vão saindo de cena - há pouco, Djalma Santos, agora De Sordi e Gylmar dos Santos Neves, todos integrantes da mitológica seleção brasileira de 1958. Garrincha, Didi e Vavá já se haviam ido antes. Restam alguns, Nilton Santos, Zagallo e Pelé, claro, que era bem mais jovem que seus companheiros de proeza. Dos 22 convocados para a campanha da Suécia apenas nove continuam vivos.

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A gente custa a admitir que uma página da História virou, até que, pelo inevitável destino biológico, seus protagonistas desaparecendo e restam apenas na lembrança e na imaginação dos que assistiram a seus feitos. Ficam também, e talvez principalmente, na emoção da gente, essa sensação dificilmente transferível a quem não testemunhou os fatos.

Porque, para o bem e para o mal, era outro o futebol no tempo desses craques. Não vou dizer que se jogasse melhor, porque isso quase soa óbvio. Mas é claro que se jogou bem antes deles e depois deles. Nunca se jogou igual, porque mudou o futebol e mudaram as condições do jogo, fora e dentro de campo. Mudou, acima de tudo, disso vou me convencendo pouco a pouco, e a contragosto, o significado do futebol em as nossas vidas.

Claro que o jogo da bola é sempre empolgante e assim continuará a ser pelos séculos dos séculos, suponho. Mudou o que ele significava para nós, torcedores, na época de Djalma Santos, De Sordi, Gylmar, Didi, Garrincha, Vavá, Zito e outros. Éramos, talvez, mais inocentes em relação a tudo. Os jogadores também o eram.

No tempo dessa seleção, todos supunham que o País nunca iria dar certo, mas, ao mesmo tempo (essa é a nossa contradição), respirava-se um ar de otimismo. Havia a bossa nova, o projeto de Brasília, a modernidade de JK. Mal ou bem, o país se construía. Parecíamos ver o nosso destino logo ali adiante, na esquina, bastando termos energia para ir ao seu encontro e fazer com que acontecesse. De certa forma, a seleção brasileira, que nunca havia vencido uma Copa do Mundo - e, pelo contrário, tinha perdido uma, em casa, em 1950 - parecia simbolizar esse tira-teima nacional, a nossa ancestral crise de identidade. Éramos mesmo bons ou afrouxávamos na hora agá?

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O brasileiro, que pode ser ingênuo mas é sempre crítico em relação a si mesmo, não confiava muito na seleção. Ela saiu do país desacreditada. E, na Suécia fez uma campanha encantadora, revelando ao mundo não apenas um time vencedor, mas um estilo de jogo magnífico, o futebol-arte, que vigorou durante algumas décadas até ser enterrado pelo pragmatismo contemporâneo. Tudo muda. Não chamo isso de evolução, pois o termo encerra uma conotação positiva. Mas tudo muda.

Mudamos nós, mudaram os jogadores, mudou a natureza da seleção. Nós viramos consumidores. Queremos ser bem tratados no estádio e receber um espetáculo condizente com o que pagamos. Senão, vamos ao Procom. Os jogadores pensam em suas carreiras internacionais e cada um deles dispõe de um estafe para cuidar de sua imagem e marketing. A seleção foi alugada a um grupo internacional que determina os adversários dos amistosos e os locais dos jogos. É uma empresa.

Em que lugar deste nosso mundo caberiam os velhos ídolos que estão morrendo? Em lugar nenhum, penso eu. Para eles, defender a seleção numa Copa do Mundo era o ápice da carreira. Não se podia aspirar a honra maior. Se vencessem, então, estariam no panteão da pátria, por assim dizer. Bem, é preciso esclarecer também que, naquela época, "pátria" não era uma noção vetada pelos manuais da modernidade. O sujeito podia dizer que era patriota sem por isso ser considerado mais antigo que a Sé de Braga. Era até uma qualidade apreciável. E os jogadores eram patriotas, como nós. Eram brasileiros e orgulhavam-se de ser brasileiros, vejam só.

Desculpem, mas me bateu uma saudade danada deles todos. E de mim mesmo.

* Coluna publicada no Esportes do Estadão

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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