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Opinião|Circo de horrores

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Havia prometido a mim mesmo não entrar nesse caso tétrico da garota Isabella. Mas peguei o elevador com um colega fotógrafo e ele me contou o que observara diante da casa onde está o casal Nardoni. "Fica todo mundo quietinho; quando a TV liga os refletores, começam a gritar, pedir justiça e linchamento". Bem, eu não deveria me espantar com esse espetáculo do horror, mas ainda me espanto.

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Sei que não começou hoje e revi ainda outro dia o grande filme de Billy Wilder, A Montanha dos Sete Abutres. Se vocês não conhecem, passem depressa pela locadora mais próxima e assistam. De 1951, o filme ainda é muito contemporâneo em sua denúncia não apenas da imprensa sensacionalista, mas da morbidez das pessoas. Onde o limite entre o dever de noticiar e o oportunismo? Onde o limite entre a compaixão humana e o sadismo? Ficam as perguntas, difíceis de responder.

E não deveria mesmo me surpreender com o circo, já que vivemos em pleno regime da sociedade do espetáculo, como havia detectado Guy Debord já em 1967. Acho que nem ele poderia imaginar o que viria depois. Tudo é show. Do Big Brother ao crime. E por que não seria show o assassinato de uma garotinha de cinco anos?

Não é exclusividade nossa, claro. Por acaso, eu estava na Europa quando estourou o caso Madeleine. Não sei se vocês acompanharam essa história, até hoje não resolvida, da menina inglesa que desapareceu durante as férias em Portugal. Depois de algum tempo os pais começaram a ser incriminados. Eu estava na Itália e via na TV e lia nos jornais insinuações sórdidas culpabilizando o casal pelo bom e simples fato de que a mãe mantinha o controle e não chorava durante as entrevistas. Sem lágrimas ou histeria ,tornava-se culpada, pois não assumia o papel que dela se esperava, a de mãe desesperada.

Imediatamente me lembrei de Camus e do personagem Merseault, de O Estrangeiro, que acabou condenado à guilhotina menos por seu crime do que pela suposta indiferença durante o enterro da mãe.

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Tudo é aparência e superfície. Outro dia vi na TV a mãe de Isabella. A mãe, não a madrasta. A repórter disse que "como toda celebridade, ela também estava sendo muito assediada". Tudo é imagem e por isso nós, que nos interessamos pelo estudo da dimensão social da imagem, deveríamos observar com cuidado esses casos. Eles são muito reveladores.

Mas o caso em questão exigiria talvez um pouco mais de discrição. Por compaixão humana. Por pudor, se é que essa palavra não se tornou obsoleta.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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