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Opinião|Cinefoot: quando era mais bola e menos grana

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Três no Tri: Pelé, Tostão e Jairzinho comemoram o gol da virada contra a Checoslováquia Foto: Estadão

 

Rebeldes do Futebol: poucos filmes seriam mais adequados para abrir a versão paulista do 4º Cinefoot. O filme, dirigido pelos franceses Gilles Perez e Gilles Rof, será apresentado hoje às 20h no Auditório Armando Nogueira, no Museu do Futebol (Estádio do Pacaembu),  tem como mestre de cerimônias o ex-jogador Eric Cantona, ídolo do Manchester United e, ele mesmo, um desses rebeldes do popular jogo da bola.

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Fala de jogadores que foram além do que deles se esperava com a bola nos pés. Usaram sua arte em nome de nobres causas, como foi o caso do nosso Sócrates, um militante da redemocratização brasileira. Composto de episódios dedicados a cinco desses boleiros muito especiais (além de Sócrates, o chileno Carlos Caszely, o marfinense Didier Drogba, o argelino Rached Mekhjouf e o bósnio Pedrag Pasic), o filme ilustra duas teses fundamentais do Cinefoot, criado e dirigido pelo torcedor do Fluminense Antonio Leal: 1) cinema e futebol têm tudo a ver um com o outro; 2) o futebol é muito mais que um jogo.

Rebeldes do Futebol tem tudo isso. As imagens plásticas e emocionantes, vindas da prática do jogo, e que se prestam muito bem a serem exibidas na tela do cinema. Conta as trajetórias épicas desses jogadores de personalidade e topete alto, que usaram muito bem a fama que adquiriram com sua arte para colocá-la a serviço do bem comum. Sócrates, morto em 2011, será lembrado nesse primeiro dia de festival não apenas coo autor de grandes gols e antológicos passes de calcanhar como um lutador pela redemocratização do país. Em plena ditadura, ele e seus companheiros de clube fundaram a Democracia Corintiana, espécie de contraexemplo revolucionário do autoritarismo vigente naqueles anos de chumbo.

Os outros personagens não ficaram atrás. Caszely recusou-se a apertar a mão do ditador Pinochet e teve sua família e ele mesmo perseguidos após o gesto. Foi obrigado a exilar-se na Espanha durante cinco anos. Drogba interveio na sangrenta guerra civil em seu país e conseguiu um cessar fogo entre governo e rebeldes. No tempo em que a Argélia era colônia francesa, Meklhoufi e outros jogadores argelinos fundaram uma seleção da Argélia e a chamaram simplesmente de FLN (Frente de Libertação Nacional), o movimento guerrilheiro anticolonialista. A seleção, claro, não foi reconhecida pela FIFA. Pasic jogou a Copa do Mundo de 1982 pela Iugoslávia. Com a dissolução do país, enfrentou o presidente da Sérvia, Radovan Karadzic, um implacável promotor da limpeza étnica, depois condenado por crimes contra a humanidade.

O Cinefoot, que dura três dias (6, 7 e 8 de junho) tem muito mais a apresentar. O Santos, ainda enlutado pela saída de Neymar, ganha preciosa homenagem através de imagens do Canal 100 que relembram o bicampeonato mundial de 1963, uma disputa de batalhas épicas na Europa e na América do Sul. A segunda partida entre Santos e Milan (4 a 2 para o Peixe, no Maracanã, depois de estar perdendo por 2 a 0) passa por uma das partidas de futebol mais emocionantes de todos os tempos.

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Há também um documentário sobre Aldyr Schell, o homem que criou o modelo inicial do uniforme verde e amarelo da seleção do Brasil (Gaúchos Canarinhos). Zimbu mostra a chegada da bola de futebol a uma tribo africana e o despertar da paixão pelo jogo. O Primeiro João revela a origem do apelido que Mané Garrincha dava aos seus marcadores no campo. Vai Pro Gol traz os bastidores de uma modalidade tipicamente nacional, o futebol de botão. A Procissão fala dos devotos palestrinos em honra do goleiro "são" Marcos.

Ecumênico, o Cinefoot homenageia os 50 anos do bicampeonato do Santos e também ao cruzeirense Tostão, a Fera de Ouro e ao agora corintiano Ronaldo, através do filme do suíço Jan Mettler. Lembra os cem anos do clássico Santos x Corinthians e agrada aos são-paulinos com Soberano 2. Programa o belo curta-metragem de Eduardo Souza Lima, Três no Tri, estudo afetivo sobre a foto da comemoração do gol da virada do Brasil sobre a Tchecoslováquia, em 1970. A foto, de Orlando Abrunhosa, correu mundo; mostra Pelé, o autor do gol, saltando de alegria, tendo ao lado Tostão e Jairzinho. O filme do flamenguista Zé José, como Souza Lima é conhecido entre amigos, foi vencedor da etapa carioca do Cinefoot. É emocionante. E esclarecedor, por lembrar de um tempo em que o futebol era mais bola e menos grana.

 

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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