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Opinião|Cine OP 2022: o último filme de Grande Otelo

 

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

 

Grande Otelo em Katharsys Foto: Estadão

OURO PRETO - No encerramento da edição deste ano, a Cine OP apresentou uma joia rara - as últimas imagens de Grande Otelo, no filme Katharsys, de Roberto Moura. 

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A obra, de caráter experimental, foi rodada ao longo de 30 anos, e apresentada como tese de doutoramento na USP, sob orientação do professor Ismail Xavier. Tinha três horas de duração. Para a "versão comercial", a duração foi reduzida a cerca de 90 minutos.  As imagens de Grande Otelo teriam sido captadas em 1992, portanto um ano antes da morte do ator. Em 1993, depois de apresentar-se no Festival de Brasília, Otelo pegou um avião para a França, onde seria homenageado. Morreu de um infarto fulminante, aos 78 anos, ao desembarcar em Paris. 

Katharsys faz jus ao título. É um jorro. Apresenta, de modo bastante fragmentado, um retrato do país nas últimas décadas, sob a figura de um cineasta (Breno Moroni) que deseja realizar um filme sobre Getúlio Vargas e vê-se colhido por uma das inúmeras crises que vitimam o país. Termina perdendo a equipe e fazendo a obra sozinho, tendo de interpretar vários papéis. Esse filme dentro do filme visualiza um país em frangalhos, com aquele tom de absurdo e escracho que caracterizou o cinema dito "marginal", sucessor do Cinema Novo.

Otelo entra na parte final, como uma entidade um tanto indeterminada, mas que tem a ver com a figura de um político populista, um pouco como o Paulo Autran de Terra em Transe. Na primeira parte, o tal cineasta que acaba com uma equipe do eu sozinho queria filmar a trajetória do líder gaúcho, populista para uns, pai dos pobres para outros, patriarca da industrialização do país segundo terceiros. Talvez, e mais provável, tudo isso e muito mais ao mesmo tempo, uma síntese de contradições do país. 

Resta dizer que, ao entrar em campo, em sua longa atuação em Katharsys, Grande Otelo ilumina a cena. Com sua capacidade de interpretação facial e física, o dom de bordar caricaturas sem torná-las ridículas, sua voz característica, sua imensa empatia, Otelo é um show à parte. E, para usar um verbinho à moda, "ressignifica" o conjunto da obra em Katharsys. 

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 Foto: Estadão

Mais Otelo

Grande Otelo também é a figura central do curta Não Vim no Mundo para ser Pedra, de Fábio Rodrigues, apresentado na Cine OP. Um belo ensaio documental, sem narração em off, que apresenta imagens de entrevistas com o ator e suas participações em filmes tão seminais quanto Assalto ao Trem Pagador e Macunaíma. Este último - nota-se - ocupava a centralidade na carreira do artista. Otelo diz que andava meio esquecido no cinema quando foi convidado para interpretar o papel-título na adaptação da obra de Mário de Andrade por Joaquim Pedro de Andrade. O filme é um dos clássicos e talvez maior sucesso de público do Cinema Novo. 

As imagens de Otelo são retrabalhadas visualmente e pela montagem deste curta muito inspirado. Relembra não apenas a trajetória de um imenso artista brasileiro, mas o racismo estrutural do país, que também o atingiu. Este entra na composição da obra, não apenas por comentários do próprio Otelo, mas no famoso desabafo da professora Diva Guimarães, na Flip, que levou o ator Lázaro Ramos às lágrimas. Belíssimo filme.  

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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