Esse clima bélico prometido para a noite de encerramento contrasta com a delicadeza de O Último Verão de La Boyita, da argentina Julia Solomonoff. Obra de alma feminina, fala do rito de passagem da adolescência para a idade adulta, com a descoberta da sexualidade e dos mistérios das diferenças entre os sexos. Jorgelina (Guadalupe Alonso) passa férias na fazenda que o pai, médico em Buenos Aires, mantém no interior. Lá ela reencontra Mário (Nicolas Treise), filho de agricultores da região e seu companheiro de brinquedo. Mas o garoto parece doente, pois apresenta estranhos sangramentos quando anda a cavalo. Aliás, ele é excelente cavaleiro e prepara-se para disputar uma corrida local.
Julia, nesse que é seu segundo longa-metragem, trata desse assunto complicado com sutileza. Maneja uma câmera amiga, que passeia pelos detalhes do campo e desenha uma bucólica vida interiorana. Um verão intenso, com banhos no rio, cavalgadas e descobertas, tempo de angustia para o adulto em formação, ainda mais quando defrontado a uma sexualidade ambígua e, portanto, perturbadora. Nesse mundo de luz e sombras, pode-se dizer que a cineasta consegue, com simplicidade, colocar um olhar límpido, que clareia as coisas e as dispõe em seus lugares, sem, contudo propor soluções fáceis ou finais felizes artificiais. Um belo filme. "La Boyita", para esclarecer o título, é apenas o trailer no qual a família se desloca pelo interior.
El Último Comandante, de Vicente Ferraz e Isabel Martinez, seria exibido após o fechamento desta edição. Fala de um tema explosivo, dentro do dogmatismo revolucionário da esquerda latino-americana. Seu personagem é um comandante sandinista que resolve abandonar a revolução nicaraguense e tornar-se professor de dança na vizinha Costa Rica. Ferraz já é conhecido do público brasileiro por seu documentário Soy Cuba - o Mamute Siberiano, que participou de festivais (venceu o de Gramado) e foi lançado em circuito comercial. Fala de um filme da era da Guerra Fria - Soy Cuba - dirigido na ilha de Fidel por um cineasta soviético. O filme havia caído no limbo até ser redescoberto por cineastas como Martin Scorsese e reconhecido como obra-prima.
(Caderno 2, 1/7/10)