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Opinião|Cine Ceará 2021: Fortaleza Hotel, sororidade e retrato do Brasil

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
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FORTALEZA - Depois das homenagens à atriz Marta Aurélia e ao cineasta Halder Gomes, rolou o primeiro filme da mostra competitiva do Cine Ceará - Fortaleza Hotel, de Armando Praça. Armando já havia vencido o Cine Ceará, dois anos atrás, com seu Greta, que também deu a Marco Nanini a estatueta Mucuripe de melhor ator. 

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Em Fortaleza Hotel, Armando Praça dá seguimento à sua temática de relações pessoais, já presente em seu longa anterior. Em Greta, era uma relação entre homens; em Fortaleza Hotel, entre mulheres. De maneira completamente inesperada e inusitada. 

Pilar (Clébia Souza) é camareira no hotel do título. Vive com mil dificuldades - do salário baixo à filha problemática, que ela teve aos 13 anos de idade. Vê uma saída para seus problemas - o aeroporto, caminho de tantos brasileiros e brasileiras que já não acreditam no futuro do país e decidem tentar a sorte em outra parte. 

Vão em busca da vida melhor, sabendo das dificuldades dessa decisão - emigrar não é exatamente um passeio, a não ser para quem é rico, o que está longe de ser o caso. Por isso, Pilar, de forma titubeante, tenta aprender inglês para passar pela imigração em seu destino e sobreviver em outras plagas. 

Tudo iria por esse caminho, não fosse Pilar ter conhecido uma coreana chamada Shin (Lee Young-Ian), que se hospeda no hotel por um motivo bem triste. Veio receber o corpo do marido, que trabalhava no Brasil e se suicidou por motivos ignorados. Shin não tem dinheiro para recambiar o corpo, precisa vender uma joia e para levantar a grana. Tendo visto a jovem Pilar ensaiando seu inglês precário, decide pedir que ela se torne sua intérprete no Brasil. Nasce assim a amizade entre elas. Relação que não deixará de ser abalada pelas circunstâncias da vida e da escolha das personagens. 

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A ideia de Armando Praça, como ele disse no debate sobre o filme, foi evitar a Fortaleza turística, a "terra do sol" dos cartões postais elas agências turísticas. Ambientou a história num hotel decadente no centro da cidade. Não escondeu os problemas sociais e a violência urbana. Também não procurou fazer uma crítica social fácil e obrigatória, como aparece em muitas produções brasileiras. 

O mal-estar, a angústia dos brasileiros com seu país aparecem sim, porém de maneira discreta, entremeada nessa história que é, de fato, sobre a sororidade, a solidariedade entre mulheres, irmãs num mundo masculino, violento e opressor. 

Como também foi destacado na conversa, trabalha com personagens imperfeitas, o que contribui para a verdade da história. Tudo parece autêntico, e essa fímbria do "malaise" brasileiro comparece de várias formas e em situações tão marcantes como nada explícitas. Por exemplo, na linda sequência em que meninos mergulham no mar da Ponte Velha, uma espécie de píer abandonado da cidade, com o casco do navio naufragado ao lado. 

Tudo é lindo, mas também tudo expressa ruína, decadência, abandono. Sim, você adivinhou - é uma fotografia precisa do Brasil. 

Fortaleza Hotel foi um ótimo começo para o Cine Ceará de 2021. 

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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