Foto do(a) blog

Cinema, cultura & afins

Opinião|Brasília 2018. Filme com ex-presas políticas é ovacionado e aplaudido em pé

Torre das Donzelas, de Suzanna Lira, traz a história das mulheres que lutaram contra a ditadura e sofreram com a prisão e tortura, sem perder os ideais e a alegria. Entre elas, a ex-presidente Dilma Rousseff

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:
 Foto: Estadão

BRASÍLIA

PUBLICIDADE

Acompanho o festival sem interrupção desde 1991 e poucas vezes vi um filme ser tão ovacionado e aplaudido de pé por tantos minutos como aconteceu com Torre das Donzelas, de Suzanna Lira. Foi uma celebração que, dado o teor da obra, também ganhou corpo de manifestação política, sobretudo em apoio à libertação de Lula, visto como preso político pela maior parte dos manifestantes.

Torre das Donzelas refaz o ambiente da ala feminina do antigo Presídio Tiradentes, no tempo da ditadura. É um trabalho de muita sutileza - e muita emoção. Há os depoimentos de cerca 30 mulheres que lá estiveram encarceradas pelo "crime" de lutar contra a ditadura. Entre elas, a ex-presidente Dilma Rousseff, cuja fala é de uma lucidez e humor exemplares. Quem ainda cai no engodo midiático de achar que Dilma é verbalmente desarticulada, deve ver o documentário para, talvez, rever conceitos. (Embora preconceitos sejam a coisa mais arraigada deste mundo).

Torre das Donzelas - primeiro concorrente da competição de longas-metragens - toma um viés bastante original entre as obras cinematográficas que se debruçam sobre a experiência da ditadura. Constrói, a partir do depoimentos, uma curva dramática que reproduz as diversas fases da experiência por que passaram essas mulheres - a militância, a prisão, o encarceramento, a tortura, a resistência, as estratégias de sobrevivência no cárcere, a libertação. E esta se dá no interior mesmo da cadeia, quando elas constroem, atrás das grades, um espaço de convivência e liberdade.

O filme usa ainda o expediente de recriar o ambiente da prisão (o presídio foi demolido ainda nos anos 1970), uma espécie de espaço cenográfico no qual as antigas militantes se encontram para falar para as câmeras. Outras (como Dilma) são entrevistadas individualmente. Há ainda uma sutil encenação com atrizes jovens nesse ambiente recriado. "Para mostrar o quanto elas eram jovens na época em estiveram presas", diz a diretora. As imagens ficcionais, intercaladas às falas, dão essa sugestão de juventude, de pulsão juvenil, que potencializa o exercício da memória das mulheres ao relembrar seu passado.

Publicidade

É tudo muito tocante e também um exemplo de vida, para valer, sem essa impostura de autoajuda. Elas sugerem que mesmo as grandes dificuldades precisam ser enfrentadas com alegria. Como diz a diretora do filme: "Querem nos fazer cair em depressão com o atual estado de coisas no Brasil, mas não podemos nos render, e enfrentar tudo com alegria, como estas mulheres fizeram em condições muitíssimo piores". Não há dúvida. Isso lembra a frase famosa de Oswald de Andrade: "A alegria é a prova dos noves".

Enfim, a noite foi uma apoteose estética e política e o debate, no dia seguinte, não ficou atrás, com a presença de várias dessas "donzelas", refeitas dos traumas do passado e realizadas em suas vidas após a libertação. Todas conservam as ideias de juventude e não abdicam da ideia de um mundo melhor.

Por que desistiriam, depois de sobreviver a tudo aquilo?

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.