Luiz Zanin Oricchio
23 de setembro de 2018 | 11h28
BRASÍLIA
Dentro da proposta temática do Festival de Brasília, a última noite foi consagrada à diversidade sexual. Dos curtas (Reforma e BR3) ao longa (Bixa Travesty) da sessão oficial, abordaram-se questões do mundo LGBT, com afirmações libertárias de que, no âmbito da sexualidade humana, cada qual tem direito absoluto ao próprio corpo e ninguém – muito menos o Estado – tem qualquer coisa a ver com isso. São afirmações importantes no contexto da onda moralista e regressiva que assistimos na sociedade brasileira.
Os filmes são bons, mas não excepcionais. Têm, como pontos favoráveis, a coragem de expor sexualidades não-binárias com franqueza e assumir o corpo próprio como campo de batalha contra a caretice. Estabelecem-se na chamada micropolítica (no sentido foucaultiano), como fundamento do direito de existir, e olham de maneira um tanto distante para a política tradicional, embora pareçam conscientes de que ninguém consegue ficar alheio por completo a ela. Nesse sentido, a insistência na tecla #Elenão, repudiando a candidatura de extrema-direita, misógina e homofóbica.
De modo geral, ressentem-se de certa autocomplacência militante, certos de que com postura desafiadora encontrarão ressonância junto ao seu público. Desse modo, parecem um tanto desatentos às contradições mais profundas dos próprios personagens, o que é compreensível mas não desculpável em obras militantes. Trata-se de caminho ainda novo para o nosso cinema, a ser desenvolvido e aprofundado.
Antes, na sessão da tarde, assistimos ao belo documentário Humberto Mauro, sobre o considerado pai do cinema brasileiro, dirigido por seu sobrinho-neto André Di Mauro.
Após a sessão oficial, houve a apresentação especial do documentário Frans Krajcberg: Manifesto, de Regina Jehá.
Enfim, foi um sábado intenso no Cine Brasília. Com prospecção de imagens e a influência do cineasta de Cataguases, eleito pelos jovens do Cinema Novo como a referência maior do passado do cinema brasileiro, resgatamos a concepção estética de Mauro, através de obras como Canto da Saudade, Ganga Bruta, Tesouro Perdido e outras.
André Di Mauro, apesar de ter gravado entrevistas com vários cineastas e especialistas, optou por usar apenas as palavras e as imagens do próprio cineasta homenageado para compor um filme de montagem. Ouvimos a voz de Humberto Mauro rememorando sua trajetória através de várias entrevistas que concedeu. E assistimos ao arranjo de fragmentos de sua obra que compõe uma narrativa vibrante do antigo cinema nacional.
Cinema é cachoeira, dizia Mauro. Querendo dizer que os fazendeiros que o convidavam para filmar diziam sempre que havia em suas propriedades alguma queda d’água muito bonita e digna de ser registrada. Mas cinema é cachoeira porque cinema é fluxo e ritmo. Como Mauro sabia muito bem.
Hoje à noite saem os troféus Candango, o prêmio do festival. Vamos ver o que os júris têm a dizer sobre o cardápio cinematográfico que lhes foi oferecido.
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