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Opinião|Brasília 2017. 'O Nó do Diabo', o interminável filme de terror chamado Brasil

Bem filmado e interpretado, O Nó do Diabo acerta em sua concepção mais geral - o Brasil visto como um filme de terror, este sim longo demais, em que o passado assalta o presente,  inviabiliza o futuro e sem final feliz à vista.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

 

 Foto: Estadão

BRASÍLIA - Num festival até agora marcado pelo protagonismo negro, O Nó do Diabo inova, voltando à ferida maior da história brasileira - a escravidão -, a partir do gênero terror. São cinco contos de horror entrelaçados e dirigidos por Ramon Porto Mota, Gabriel Martins, Ian Abé e Jhésus Tribuzi. O longa vem da Paraíba, mas inclui entre os diretores (e roteiristas) o mineiro Gabriel Martins. Alguns dos atores e atrizes mais conhecidos da Paraíba estão no elenco, como Fernando Teixeira, Everaldo Pontes e Soia Lira.

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A tática do filme consiste em recuar no tempo, indo do presente ao passado. A estratégia se resume em sugerir como os sedimentos da tragédia da escravidão permanecem no tempo presente. Há como uma inércia da História e esta parece condenar o Brasil a permanecer eternamente arcaico; não importa o quanto exiba de modernidade aparente em alguns locais privilegiados, parece destinado a continuar tão antiquado quanto um antigo engenho de açúcar. Basta olhar para nossa "elite" para comprovar esse fato. Os supostos "melhores" são, de fato, o que existe de pior na Nação, herdeiros dos antigos senhores de engenho, de maneira literal ou metafórica.

E, de fato, uma casa grande de engenho é o palco - e quase personagem - dessa tragédia que se esboça em cinco atos (trata-se da casa de José Lins do Rêgo, descobri no debate). No primeiro episódio, vemos a casa semidestruída sendo defendida por um pistoleiro a soldo do patriarca da família Vieira (Fernando Teixeira). Progressivamente o homem vai enlouquecendo e se tornando um assassino em série, assaltado por fantasmas que vêm tanto do presente quanto de um longínquo passado de crimes.

O filme vai recuando no tempo, e saltamos de volta a 1987 quando um jovem casal de trabalhadores negros chega ao casarão, ainda intacto, e se emprega nos serviços domésticos. Mas há algo de maléfico em torno da casa e nos personagens que a habitam. Antigos instrumentos de tortura da época da escravidão estão expostos e outros são desenterrados como por acaso e se incorporam à coleção.

Sobre a escolha do gênero, Ramon Porto Mota diz que tem com amigos uma produtora em Campina Grande,só fazem cinema de gênero e o usam com qualquer tema. É quase como uma matriz, uma forma, modelada por Mario Bava, John Carpenter, José Mojica Marins e outros mestres. Mas, acrescenta Ramon, parece em particular adequado ao Brasil e sua história de terror. "Estamos próximos da caverna do Drácula, o Palácio do Jaburu", lembrou.

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Embora pensado como um todo, nota-se certa oscilação entre os episódios. Gostei da maneira como eles se entrelaçam formando uma história única (o projeto original era uma minissérie), mas há desníveis entre partes. Talvez também tenha ficado meio longo. É um terror brasileiro, incorpora os elementos da nossa cultura e natureza dos nossos impasses em sua trama.

Bem filmado e interpretado, O Nó do Diabo acerta em sua concepção mais geral - o Brasil visto como um filme de terror, este sim longo demais, em que o passado assalta o presente,inviabiliza o futuro e sem final feliz à vista.

 

Curta. Tentei, o curta curitibano de Laís Melo, fala de violência doméstica. Ambienta-se na periferia de Curitiba, um local de invisibilidade, de acordo com a diretora. O filme mostra uma personagem acordando com dificuldade, ao lado de um homem, adormecido. Ela sai de casa e a acompanhamos a uma delegacia onde, a duras penas, terá de prestar sua queixa de violência doméstica e abuso sexual - praticadas pelo próprio marido. A duras penas porque prestar um depoimento desse tipo implica entrar em detalhes constrangedores, mesmo que o escrivão pareça bem humano. O tom do filme é de delicadeza e, ao mesmo tempo, da dureza em lidar com a situação de violência doméstica, apenas aludida e nunca mostrada. Encontra um equilíbrio muito difícil entre a delicadeza e a maneira incisiva como trata esse tipo de agressão, bastante mais comum do que se julga.Patrícia Savary, no papel de Glória, a mulher agredida, tem atuação de destaque, cool, silenciosa, porém muito expressiva.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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