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Opinião|Brasília 2017. Construindo pontes num país rachado

Memórias familiares e políticas - eis o que apresenta o documentário 'Construindo Pontes', de Heloísa Passos, mais um concorrente da Mostra Competitiva.

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
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 Foto: Estadão

 

BRASÍLIA- Memórias familiares e políticas - eis o que apresenta o documentário Construindo Pontes, de Heloísa Passos, mais um concorrente da Mostra Competitiva. Começa com uma filmagem em super-8 de Sete Quedas, as cachoeiras destruídas para dar lugar à hidrelétrica Itaipu, uma das obras faraônicas do governo militar.

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É uma memória de infância. E também um elo com a figura do pai, Álvaro, cuja carreira de engenheiro civil tem seu ponto alto durante a ditadura, na época do "milagre econômico".

As memórias o aproximam da filha. As convicções políticas os afastam. O paranaense Álvaro é fã do juiz Sergio Moro, para ele um paladino da Justiça. Helô é uma mulher de esquerda, acha a Justiça seletiva, servindo ao fim de tirar Lula da disputa pela Presidência em 2018 e acabar com o PT. Pai e filha ocupam os lugares antagônicos que polarizam a sociedade brasileira.

As conversas, captadas a vivo, remetem às raízes dessa polarização. A cineasta, nascida em 1967, é crítica da ditadura militar. O pai, pelo contrário, acredita que apenas durante o regime dos generais houve um projeto de país. Depois, ele se perdeu. Houve abusos, tortura e morte? Sim, mas isso não anula o que se construiu ou tentou se construir, afirma Álvaro, para exasperação da filha.

São concepções de mundo antagônicas. Dá para conciliá-las? Ou, ao menos construir pontes entre elas? É a pergunta que o filme se faz, ao tratar de pai e filha. Mas é a pergunta que o Brasil se faz, a cada vez que os radicalismos se aprofundam e trancam pessoas em posições inconciliáveis.

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Desse modo, Construindo Pontes trata tanto do relacionamento problemático entre pais e filhos e entre gerações diferentes, mas também da atualidade de um país rachado. Não se pode dizer que seu desfecho, que aqui não será dito, seja muito apaziguante. Pelo contrário. Mas parece indicar a existência um espaço para a convivência, mesmo que seja por um instante e cada uma das partes veja duas realidades diferentes enquanto olha para a mesma coisa.

Curta. Mamata, de Marcus Curvelo é tanto engraçado quando desolador. Interpretado pelo próprio diretor, o personagem fala por Skype com a namorada, que vive nos Estados Unidos. Ele quer sair do país de Temer a todo custo e diz que a última vez em que sentiu pertencimento a uma nação foi no dia da morte de Ayrton Senna. O tom é debochado, cáustico, político. Tira humor do absurdo em que se transformou o Brasil após o impeachment. O sentimento de anomia e desespero sentido pela juventude - e tão bem expresso neste curta-longa (30 minutos!) - deveria preocupar os políticos. Mas com que eles se preocupam senão com a própria sobrevivência? E com a manutenção da mamata, ótimo título encontrado por Curvelo para sua obra?

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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