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Opinião|Brasília 2016: Duas portuguesas veem o Brasil

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Como destaque da terceira noite de competição, eu colocaria A Cidade Onde Envelheço, de Marília Rocha (MG). Em tom naturalista e fluido, concentra-se na experiência de duas moças portuguesas que vivem em Belo Horizonte. Uma já está lá instalada há algum tempo e a outra vem de Lisboa morar com ela. Francisca e Tereza foram amigas muito tempo atrás. Retomam a convivência num país estrangeiro.

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É um filme feito de fatos banais - muito ótimos filmes são construídos dessa forma, como La Mamain et la Putain, de Jean Eustache. Aqui também temos esse fio narrativo que parece não conter qualquer teleologia, qualquer finalidade predeterminada no roteiro. As coisas vão acontecendo e isso é tudo.

As moças têm amigos brasileiros. Uma delas trabalha numa tasca em BH. A outra procura fazer novas amizades. Uma sente saudades de Lisboa. "O mar me falta", diz. A outra acaba de chegar mas talvez deseje ficar mais tempo. Quem sabe para sempre. Quem sabe? O filme não nos diz. É um morceau de vie, uma fatia de vida, de duas vidas aliás.

O tom oscila entre a melancolia e o humor. Em determinados momentos, elas fazem finas observações sobre o Brasil, à maneira que estrangeiros fazem sobre países em que passam a morar ou conhecem como turistas. Por exemplo, Francisca se queixa de que as casas brasileiras são mal-acabadas. Os azulejos no banheiro são dispostos quase ao acaso. E quem a contestaria? Queixa-se de que todos pedem cigarros a elas. Brasileiro é muito pidão. Outra vez: quem diria o contrário?

Nesse clima, o filme vai acontecendo, deixa-se levar, flui como um regato, discreto e sereno, porém constante.

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Já O Último Trago, de Luiz Pretti, Pedro Diógenes e Ricardo Pretti (CE) é todo o contrário. Com fotografia deslumbrante, começa de maneira promissora numa cena de violência e depois se instala num boteco cheio de homens no qual predomina uma única mulher, Marlene. Pouco ou nenhum diálogo, apenas a força da imagem. E da música. Mas depois desce a ladeira rumo a um misticismo bastante frágil, estruturado num surrealismo fora de época. Vale pela beleza visual. Mas, como diz o ditado popular que Guimarães Rosa amava citar: "O sapo não pula por boniteza..."

Entre os curtas, Sólon, de Clarissa Campolina (MG), também sofre com a devoção ao esteticismo. Numa terra desolada, vemos um ser se mexer e, aos poucos ele vai se transformando. Muita gente associou à tragédia de Mariana, mas o filme é anterior. De qualquer forma, esse apocalipse de lama ganha aqui uma ressignificação, embora involuntária.

Já Constelações, de Maurílio Martins (MG) nos encanta com uma história pungente e cheia de estranheza (mas não é a estranheza gratuita, é aquela que faz retinir algo em nosso inconsciente). Dois personagens, um homem e uma mulher, estão na estrada a bordo de um carro. A certa altura são parados pela polícia. São liberados pelo pagamento de uma propina. Brasil. A certa altura, ela inicia um monólogo, em dinamarquês. Depois, ele replica, em português. Não sabemos se se entendem. Chove. O carro está desligado, mas o limpador de pára-brisas funciona e pontua os monólogos com seu ruído. O homem fala com alguém ao celular. Descobrimos algo sobre sua vida, mas são fragmentos. De qualquer forma, nada nos prepara para o desfecho apresentado. Muito bom.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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