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Cinema, cultura & afins

Opinião|Brasília 2016: das cidades à Amazônia em transe

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A mulher desapareceu de casa e o marido passa longos dias - e noites - à sua procura. Ela é Madalena (Clara Chevaux) e Elon (Rômulo Braga), seu marido. O filme é a estreia em longas do mineiro Ricardo Alves Jr. Tem pique, clima e joga o espectador numa trip lisérgica de crescente insanidade. O título é psicologicamente provocativo: Elon não Acredita na Morte.

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O filme é feito em tons escuros e trabalha com câmera na mão, enérgica, nervosa. A câmera segue de perto o personagem principal. Busca-o em seu trabalho na construção civil, em sua peregrinação confusa por hospitais e delegacias em busca da mulher. Acompanha-o quando procura a irmã de Madalena (vivida também por Clara Chevaux), que trabalha numa casa noturna. Há algo de irmãos Dardenne na maneira de filmar, mas também dos romenos, como Corneliu Porumboiu de A Leste de Bucareste.

Mas o filme joga de início com um realismo bastante cru, que vai sendo corrompido por um tom alucinatório. A busca obsessiva pela mulher, o sexo, o tesão, a negação de evidências, tudo constrói uma personalidade em desagregação. Algo, no entanto, sobra no meio da trama, como um ponto inconclusivo que tira um tanto do seu impacto. Ricardo Alves é diretor a ser acompanhado.

O outro longa da competição é o amazonense Antes o Tempo não Acabava, de Fabio Baldo e Sérgio Andrade. Começa por mostrar um rito de passagem indígena, que consiste em colocar as mãos do adolescente em luvas de palha cheias de vorazes formigas. Suportar a dor na passagem para a idade adulto faz parte do culto à virilidade.

O menino torna-se o jovem Anderson Tikuna, que deixa a aldeia e vai buscar outra vida em Manaus. Trabalha na linha de montagem de uma fábrica, depois vira cabeleireiro. Há aí duas questões - a aculturação dos indígenas na cidade e a questão de gênero, também abordada pelo filme. Dois problemas num só, que não travam o andamento do longa mas se potencializam mutuamente. Escapa assim do registro etnográfico e repõe a pauta da questão indígena, e o encontro de civilizações, tão presente nesta edição de Brasília.

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Curtas

A urgência domina em O Delírio é a Redenção dos Aflitos. Raquel (Nash Laila) é a última moradora de um prédio condenado à demolição. Precisa sair do apartamento onde vive com o marido e a filha pequena. Mas pobre tem dificuldade para morar e para se mudar. Esse drama é acompanhado em tom crescente de tensão e compaixão.

Estado Itinerante, de Ana Carolina Soares mostra o drama de uma cobradora de ônibus de BH, ameaçada pela violência doméstica. Em tom documental, acaba por fazer também um retrato dessas profissionais, em vias de extinção.

Abigail, de Isabel Peoni e Valentina Homem, através da personagem de uma senhora de idade, sintetiza indigenismo e candomblé, num trabalho visualmente criativo e baseado em cenas atuais e de arquivo.

As equipes continuam subindo ao palco com camisetas com a inscrição Fora Temer e os filmes são invariavelmente introduzidos por uma vinheta em fundo negro com a inscrição Cinema contra o Golpe. As equipes discursam, a plateia reage em coro. Tem sido o cerimonial de todas as noites no Cine Brasília. Consolida-se dessa forma uma posição quase unânime no meio cultural contra o impedimento de Dilma Rousseff e o governo que dele saiu, considerado ilegitimo. Pode-se dizer o que se quiser, que é minoritário, etc e tal. Mas forma-se em todo caso uma cultura de resistência e esta encontra-se firmemente enraizada nos meios culturais.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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