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Opinião|Brasil no Oscar: O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias derrota Tropa de Elite

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

O belo filme de Cao Hambúrguer acaba de ser escolhido como o representante brasileiro que vai disputar uma das cinco vagas ao Oscar. Foi uma boa escolha? Em tese, sim, é um filme gentil, que trata de um período histórico problemático, porém de forma serena, tem uma criança como protagonista e é ambientado no bairro judaico do Bom Retiro, o que pode render pontos junto à Academia. Derrota Tropa de Elite, que entrou de última hora e ameaçou o favoritismo de O Ano... até o último momento. O júri pode ter agido certo, como saber? Mas vai carregar o seguinte ônus: deixou de indicar o filme da hora, o filme-polêmica, aquele que tem despertado mais paixões e sentimentos contrários de todos que os assistem. E, isso, sem mesmo ter estreado. Enfim, veremos. Volto ao assunto depois.

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Abaixo, o texto que escrevi no Caderno 2 quando o filme estreou, em 2/11/2006:

Muito estranho foi o ano de 1970 no Brasil. Vivia-se sob a ditadura Médici, torturava-se e matava-se nos porões dos DOI-Codis da vida. A economia falava em milagre para definir uma taxa de crescimento superior à média mundial.Mas o próprio general-presidente via-se obrigado a dizer que a economia ia bem enquanto o povo ia mal. A imprensa continuava sob censura e não se votava para presidente, governador ou prefeito.

Nesse quadro torpe, o País formara aquela seleção considerada a melhor de todos os tempos e na qual brilhavam talentos como Pelé, Tostão, Rivellino, Gérson, Clodoaldo, Carlos Alberto Torres e outros.A melhor seleção do mundo para um país que vivia nas trevas.Tal era o paradoxo.

Esse é o período que Cao Hamburger escolhe para ambientar o sensível O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias. A história é vista pelo olhar de um garoto, Mauro (Michel Joelsas). Ele mora com a família em Minas. Como os pais são militantes de algum grupo que combate a ditadura, e precisam fugir, decidem deixar o menino aos cuidados do avô (Paulo Autran), que mora em São Paulo, no bairro judeu do Bom Retiro. Mas será um estranho quem acabará assumindo a guarda do garoto. Ele permanece lá, no Bom Retiro, à espera dos pais, que lhe prometeram voltar antes do jogo final da Copa do Mundo no México.

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Esse é o ambiente:o Bom Retiro de 1970, com a Copa do Mundo como pano de fundo.O Brasil que vai pra frente em primeiro plano, e tudo o que o contradiz no segundo.O filme tem o frescor de uma visão infantil, vale dizer de alguém que está descobrindo o mundo e tem de assimilar o que é agradável e o que não é: as novas amizades, as rivalidades, a sensação de se sentir um estranho no ninho, a falta da proteção do pai e da mãe e a abertura para um mundo estranho, assustador e fascinante.

Há outro dado interessante do filme, talvez o mais comovente dos seus aspectos: o retrato muito fiel que Cao Hamburger faz de uma cidade de imigrantes como São Paulo. Está aí, talvez, a característica melhor desta cidade tão áspera sob outros aspectos: a vocação para o cosmopolitismo, já que Sampa é inevitavemente multicultural e multiétnica. Era assim mesmo o Bom Retiro daquela época - predominantemente judeu, mas com forte presença de italianos e espanhóis e árabes. E também nordestinos que começavam a chegar, gente dos outros Estados, negros, mestiços.

Enfim, essa bela mescla a que costumamos chamar de povo brasileiro. Nesse ambiente, o futebol aparece como elemento de sociabilidade. Na tela da TV passa o grande futebol, a seleção maravilhosa para a qual todos torcem. Nos campinhos do Bom Retiro, impera o futebol doméstico, pequeno, no qual todos nós somos iguais perante a lei. No Brasil da ditadura, quer dizer, sem lei, o campo de jogo é o lugar onde valem as regras e onde o dono da fábrica de tecidos vale tanto quanto o operário que trabalha para ele.

Essa isonomia é uma das utopias do futebol. E Mauro, que é aspirante a goleiro, parece aproveitar bem a lição: no futebol, como na vida, vale nem tanto o resultado, mas a maneira como se joga. Pode-se apostar no sucesso desse filme terno, às vezes duro, emocionado e emocionante.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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