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Opinião|Brasil no Oscar: entrevista com João Jardim, codiretor de 'Lixo Extraordinário'

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

O Brasil está no Oscar. Quem não tem dúvida nenhuma em fazer essa afirmação é o cineasta brasileiro João Jardim, co-diretor de Lixo Extraordinário, um dos cinco concorrentes à estatueta da Academia divulgados ontem em Los Angeles. O filme é uma co-produção Inglaterra-Brasil, dirigido pela inglesa, residente nos Estados Unidos, Lucy Walker, e codirigido pelo carioca João Jardim e pela pernambucana Karen Harley.

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João conversou com o Estado por telefone de Foz do Iguaçu, onde se encontra em férias. Diz que ficou tenso esperando pela divulgação dos concorrentes e explodiu de alegria quando lhe comunicaram que o filme estava entre os finalistas, como se esperava. "Foi uma agonia", confessa.

A conversa, naturalmente, gira em torno da nacionalidade do documentário. Para João, a questão é muito simples. Trata-se de uma parceria, do ponto de vista econômico, entre o produtor inglês e a brasileira O2, de Fernando Meirelles. E, pelo lado artístico, traduz uma visão mista, estrangeira e brasileira, sobre a realidade do Brasil. Havia o interesse internacional em produzir aquele encontro descrito no filme, entre o artista plástico Vik Muniz e os catadores de lixo do Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro, e assim foi feito.

O filme, em cartaz em São Paulo e outras cidades, mostra o trabalho de Vik Muniz que fotografa catadores de lixo, depois usa os materiais do lixão para reconstituir figuras, registra de novo com sua câmera o resultado e, desse processo, tira obras espantosas. Numa delas, um dos catadores, Tião, personagem marcante da comunidade, posa como o revolucionário Marat, assassinado em sua banheira por Charlotte Corday. A cena foi imortalizada na tela O Assassinato de Marat pelo pintor Jaques-Louis David. O "Marat" negro, interpretado por Tião segundo a imaginação de Muniz, causa funda impressão no espectador.

Lixo Extraordinário mergulha, assim, em cheio na realidade brasileira e em suas mais duras contradições. O faz a partir da experiência de um artista plástico ele também vindo da periferia, mas que reside e faz sucesso no exterior. A motivação de Vik Muniz é retribuir ao seu país de origem parte do seu êxito internacional. Não faz mera filantropia. Os personagens do lixão, convertidos em artistas, participam desse sucesso. Viajam para exposições com o badalado Vik Muniz. Têm sua vida transformada por essa mesma alquimia que faz o dejeto virar arte. É comovente. Sem ser piegas. É real. Sem mistificar.

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Mas seria um olhar puramente brasileiro voltado a essa realidade e a esse processo de transformação? "É um olhar misto, e é desse DNA composto que o filme tira talvez a sua força", diz João Jardim. "Ele nos fala de perto, ao mesmo tempo em que tem trânsito junto a um público internacional".

O processo de filmagem explica esse hibridismo. "A Lucy Walker veio ao Brasil e iniciou o trabalho no Jardim Gramacho", conta João. "Ela ficou apenas dez dias e teve de ir embora para tocar outro projeto dela, o Countdown to Zero. Então eu assumi as filmagens e realizei cerca de 60% das cenas que são vistas na tela." Por fim, a pernambucana Karen Harley (montadora de filmes como Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes, e Baixio das Bestas, de Claudio Assis) assumiu e tocou o resto do trabalho. Por fim, o material seguiu para o exterior e Lucy Walker o montou. "Ela teve o final cut (a edição definitiva) do filme e isso é fundamental", diz.

Ele sabe que existem pontos polêmicos no trabalho. "Como é pensado também para o público estrangeiro, algumas informações poderão parecer óbvias demais ao espectador brasileiro", admite. Causam estranheza, também, alguns participantes brasileiros falando em inglês, como é o caso do próprio Vik Muniz. "Acho que o projeto nunca esconde sua natureza híbrida, mas nem por isso perde sua autenticidade", diz.

João sente-se "absolutamente tranqüilo" quanto à sua participação no filme. "Filmei a maior parte das cenas, mas tenho de reconhecer tanto a participação da Karen Harley como a importância do final cut da Lucy Walker", diz. "Sou autor de um trabalho que tem vários autores", define. "E me sinto muito orgulhoso por ter trabalhado em algo muito legal, que leva ao mundo o conhecimento daquela realidade, e a dignidade das pessoas que vivem naquela situação", continua.

E sobre as chances de Lixo Extraordinário levar e estatueta dia 27 de fevereiro no Kodak Theater? "Aí já não sei, pois teria de conhecer os outros concorrentes", diz João. Ele espera que não aconteça com ele o que ocorreu com Central do Brasil, de Walter Salles, que tinha tudo para vencer o Oscar em 1999, mas acabou derrotado pelo imbatível A Vida é Bela, de Roberto Benigni. Lixo Extraordinário concorre com Exit Through the Gift Shop, Gasland, Restrepo e o fortíssimo Trabalho Interno, sobre as raízes da crise econômica mundial de 2008.

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Agora é torcer.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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