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Opinião|Brasil, a miséria da inteligência

O debate de ideias, inteligente e civilizado, caiu em desuso na nova ordem

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Atualização:

Academia de Platão, ou seria uma reunião ministerial em Brasília? Foto: Estadão

Todo mundo sai ganhando com um debate político honesto e de alto nível. Todo mundo sai perdendo quando a tônica é a boçalidade do chute nas canelas ou em outros lugares baixos.

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Ninguém, a não ser fanáticos religiosos, se julga com o monopólio da verdade. A civilização é conflito. Cada um tem seu ponto de vista sobre determinadas questões e tenta fazê-lo prevalecer na chamada batalha das ideias.

Como todo jogo, este também tem suas regras. Um jogo sem regras vira anarquia, bagunça e não ajuda ninguém a formar a própria opinião. Pelo contrário, gera confusão, caos e, por fim, violência. A psicanálise ensina: o que não se resolve no simbólico, descamba para o real.

Uma pessoa pode ter sólidas convicções de esquerda, mas se beneficiará da leitura de bons autores conservadores. Não se trata de lê-los para "conhecer o inimigo". São eles, com a força dos seus argumentos, que mitigam certezas e ensinam a relativizar o conhecimento. Sem o qual, este, o conhecimento, se torna dogma e, portanto, morre.

O conhecimento, do qual a ciência é o paradigma, está sempre sujeito a controvérsias. Nenhum axioma é considerado válido se não puder ser testado, replicado e, potencialmente, contestado. Daí que certezas esotéricas se encontrem fora do campo do conhecimento racional humano.

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 Foto: Estadão

 

Para contestar as ideias de Karl Marx, Raymond Aron escreveu um catatau de centenas de páginas, O Marxismo de Marx, no qual estuda a fundo a obra do autor com quem polemiza. Pela profundidade, a obra é útil tanto para marxistas como para antimarxistas. Luminosa, sobretudo, para quem acredita que ideias se impõem pela força da razão e não baseadas em preconceitos ou simpatias e antipatias pessoais.

Outra obra benéfica a quem gosta de exercitar neurônios e não células hepáticas é a coletânea Estudos sobre a Humanidade, de Isaiah Berlin, autor que podemos chamar de liberal ou simplesmente de pensador iluminado. Podemos ou não concordar com suas ideias, mas elas nos encantam pelo rigor e elegância com que são expostas e articuladas. Crescemos com elas.

 Foto: Estadão

O debate de ideias é uma coisa bastante mais complexa do que supõem os que acham a terraplana, o nazismo uma ideologia de esquerda e a universidade infiltrada pelo "marxismo cultural".

Por exemplo, o aluno que entra na Faculdade de Filosofia da USP, por certo um dos mais tenebrosos antros do marxismo cultural, vai ter em sua trajetória de formação a leitura de autores perigosos como John Locke, Montesquieu, Nietzsche, Maquiavel, Rousseau, Spinoza, Descartes, Hegel e outros. Autores, vejam só, também analisados por Berlin. Ao final dessa trajetória de contato com textos clássicos, leituras, estudos e debates, poderá, talvez, dispor de material para formar suas próprias convicções em termos embasados. É uma tarefa hercúlea.

Esforço que não se encontra, por exemplo, nos textos do guru bolsonarista Olavo de Carvalho. Sinto dizer, mas são escritos ginasianos, sem qualquer consistência, para não dizer francamente delirantes. Procure ler, digamos, O Jardim das Aflições e diga-me se não é constrangedor. Um livro para espíritos fracos.

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O economista Abraham Weintraub foi nomeado Ministro da Educação no lugar do comediante Ricardo Vélez.

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Qual o universo mental do novo ministro? Cito: "Abraham fez uma explanação histórica sobre questões econômicas, mas centrou seu discurso no combate ao pensamento de esquerda. "Quando ele (um comunista) chegar para você com o papo "nhoim nhoim", xinga. Faz como o Olavo de Carvalho diz para fazer. E quando você for dialogar, não pode ter premissas racionais", disse." (Leia matéria completa aqui)

Uma frase me impressionou: "Quando for dialogar, não pode ter premissas racionais". "Xinga".

Bem, esses são ensinamentos de Olavo. Não se dialoga de forma racional. Parte-se para a agressão. Não se discutem ideias. Agride-se a pessoa com quem se está falando. Tenta-se intimidá-la com palavrões ou por outros meios. Tenta-se difamá-la. Vasculha-se seu passado para descobrir algo que possa comprometê-la. Se não houver nada, inventa-se. Guerra é guerra.

Bom, é isso, né?

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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