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Opinião|Boca, um noir à brasileira

 

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
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 Foto: Estadão

Nos anos 1970, Hirohito de Moraes Joanides (1936-1992) escreveu um livro chamado Boca do Lixo, no qual narra suas aventuras, ascensão e queda como chefão do submundo paulistano. O depoimento foi escrito na prisão e é bastante impressionante. Hirohito era tido como homem culto, chegado à leitura. Na cela, lia de Nietzsche a Hemingway. O livro caiu nas mãos do diretor Flávio Frederico e transformou-se no longa Boca, que estreia hoje.

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Hirohito é personagem de Daniel de Oliveira, um dos poucos atores que merecem o surrado adjetivo de "camaleônico". Oliveira, de fato, se transforma no tipo que interpreta. Ele está perfeito como o bandido um tanto psicopata, com seus óculos de fundo de garrafa, que assassina friamente quem se interpõe em seu caminho. O registro usado por Frederico é realista. Dos personagens à paisagem urbana busca imergir o espectador no espaço-tempo daquela época. Como a São Paulo dos anos de ouro da Boca não existe mais, foi buscá-la no centro velho de Santos. Lá, ambientou a zona de prostituição onde Hirohito reinou durante certo período.

E, no entanto, segundo a sua própria história (que na verdade é uma defesa sob a forma de depoimento escrito), ele não nasceu para aquela vida. Frequentava a zona de prostituição desde cedo, mas apenas como cliente. Seu pai, de origem grega, um dia foi assassinado. Hirohito viu-se acusado do crime, que ele sempre negou. Começou, assim, seu envolvimento com a polícia. E com a corrupção policial, representada pela figura do Dr. Honório, interpretado por Paulo César Pereio. Nesse mundo sórdido, Hirohito tem uma paixão, a esposa Alaíde, interpretada por Hermila Guedes.

Mas não deixa de se envolver com a prostituta Rosana, com quem sai numa trip movida a sexo e drogas pelas ruas da cidade, perseguido pela polícia. Essa, aliás, uma das sequências mais impactantes do livro, que Frederico adapta com parcimônia. Traído pelos amigos e procurado pela polícia, Hirohito não pode dormir em lugar nenhum para não ser preso. Instala-se ao volante de um carro e passa a circular de modo ininterrupto. O sono é combatido com drogas injetadas na veia. Um registro mais alucinado talvez representasse melhor essa passagem, mas Frederico prefere manter a rédea curta no tom.

Frederico usa de preferência esse registro realista e fotografia caprichada de Adrian Teijido bate com intensidade na tela. É um dos pontos fortes do filme e contribui para o seu clima noir.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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