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Opinião|Bobby e as ilusões da América liberal

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Assisti a Bobby, de Emilio Estevez, no Festival de Veneza do ano passado. Achei o filme ok, e um tanto ingênuo politicamente. Revi-o agora e gostei de novo, em especial pelo genenoso ar dos sixties que ele passa. A discussão política me parece rala mesmo, mas o background da história é bacana. O texto que segue abaixo é o que escrevi para o Caderno 2.

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Esse é um filme do qual se sabe o fim sem que isso estrague o prazer de vê-lo. Bobby Kennedy será assassinado no desfecho, mas isso não tem a menor importância, mesmo porque o diretor Emilio Estevez se decidiu pelo pano de fundo da tragédia, focando a lente nos bastidores. Bobby não é um documentário sobre o assassinato de Robert Francis Kennedy. É um filme sobre as expectativas dos liberais dos anos 60, depositadas em Bobby Kennedy, e obviamente frustradas por sua morte.

Aliás, Bobby é mais ainda do que isso. Realizado nos Estados Unidos da era Bush, pode também ser visto como manifesto desolado com o presente e nostálgico em relação a uma América que poderia ter sido e não foi. Estevez se refere às grandes perdas dos Estados Unidos nos anos 1960 - Martin Luther King, John e Robert Kennedy, os três assassinados. De certa forma, eles podem ser vistos como os mortos insepultos de sonhos (ou ilusões) jamais realizados e hoje arquivados - o de uma América mais tolerante e justa no plano interno; menos intervencionista e belicosa, no externo.

É difícil dizer quanto essas idéias comportam de romantismo e mesmo de ingenuidade - por exemplo, a mitificação dos Kennedys foi questionada quando Bobby disputou o Leão de Ouro no Festival de Veneza do ano passado. E Emilio Estevez não pôde, ou não quis, se defender. Talvez não tenha se dado conta das possíveis limitações políticas do projeto. Entendeu que um filme deve falar por si mesmo, o que é o correto.

E, nessa medida, Bobby fala mesmo por si só, com seu ar agradavelmente anos 60, embalado por canções maravilhosas como The Sound of the Silence, e histórias cruzadas de 22 personagens, que tornam fervilhante o Hotel Ambassador, onde Kennedy está sendo esperado para o ato final de campanha nas primárias da Califórnia. Quem são esses personagens? Um funcionário do hotel aposentado (Anthony Hopkins) que joga xadrez com um amigo (Harry Belafonte); o gerente (William S. Macy) que trai a mulher (Sharon Stone) com uma telefonista; a cantora alcoólatra e decadente (Demi Moore) casada com um ex-baterista (o próprio Emilio Estevez), etc. No bastidor dos bastidores, a cozinha, discute-se beisebol entre imigrantes hispânicos e ocorrem cenas de racismo, devidamente punidas. Alguns membros do estafe de Kennedy se drogam e fazem experiências com LSD, fármaco que não poderia faltar em filme ambientado nos sixties.

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São dramas, pequenas histórias entrecruzadas à maneira de Nashville, filme de Robert Altman no qual Estevez confessadamente se inspira. Quer dizer, a proposta é de uma história coral, contada a muitas vozes, um clima de época revivido por incidentes de inúmeras vidas banais (como as de todos nós) mas que, em conjunto, fazem uma nação. Testemunhas anônimas de um momento da grande História, essa que está se fazendo à revelia de todos, na obscuridade, e se concretizará nos tiros disparados naquele 5 de junho de 1968 pelo palestino Sirhan Bishara Sirhan contra Robert Francis Kennedy. Os motivos? Até hoje são pouco claros.

Estevez sente essa tragédia (Kennedy morreu 26 horas depois de atingido por três dos quatro disparos) como decisiva para o (mau) encaminhamento posterior do seu país. Em vez de Bobby, Nixon. Em vez de paz, mais guerra. Em vez de mais tolerância, Bush, pai e depois filho. É a sua interpretação de uma história que expõe, de maneira às vezes brilhante, tudo aquilo que fermentou durante os anos 60 e não foi anulado com os assassinatos de Luther King e de Bobby Kennedy: a emancipação feminina e o avanço nos direitos civis de negros e minorias. O resto foi involução mesmo, mas não se sabe como teria sido com Bobby Kennedy.

(Estadão, Caderno 2, 27/7/07)

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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