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Opinião|Billy the Kid, por Sam Peckinpah

Billy the Kid é um dos mais notórios bandidos do Oeste americano. Talvez o mais famoso e parte integrante da mitologia americana. Morto em 1881, por seu ex-amigo Pat Garrett, Kid foi relembrado há pouco quando tentaram reabilitar sua memória no estado do Novo México, onde viveu a maior parte dos seus 21 anos (nasceu em Nova York), onde agiu e morreu. Em vão. O governador Bill Richardson negou o pedido de perdão póstumo, e Kid, nascido William Booney permanece como facínora no imaginário de todos os que curtem o western.

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Este gênero - o grande gênero americano, segundo o crítico francês André Bazin -- celebrou o Kid de todas as maneiras, indo do cômico ao trágico. Até o galã Paul Newman já encarnou o bandido-rapaz, no ótimo The Left Handed Gun, de Arthur Penn, aqui conhecido como Um de Nós Morrerá (1958). Por sorte, há pouco chegou ao mercado uma das mais intensas versões de sua vida - Pat Garret & Billy the Kid, de Sam Peckinpah, de 1973 (Distribuição Lume).

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Como se vê pelo título, que contempla os dois nomes, o filme de Peckinpah mantém sua atenção na amizade entre os dois oponentes. Para quem não sabe nada da história real (que também, como tantas outras, perde-se num cipoal de mitos), muito pouco se explica no filme. Sabe-se apenas que Garrett (James Coburn) e Kid (Kris Kristofferson) foram amigos e companheiros de farra antes de tomarem rumos distintos. Um dia, Garret resolve (ou talvez o destino o tenha levado a esse caminho) se tornar homem da lei. Os barões do gado pagam-lhe para desinfetar o ambiente do Novo México dos maus elementos, entre eles o ex-amigo Billy the Kid. Pat encontra o Kid e pede que ele suma do mapa. Sabe que não será atendido. O amigo é petulante demais para aceitar um ultimato. A trama é simples e intensa. Mais que pelo enredo, faz sentido pelo estilo de filmagem de Peckinpah, que torna complexa a relação entre os dois homens. Peckinpah é um mestre do tempo. Sabe estender até o limite a duração de uma sequência, até que a espera se torne insuportável. Manipulando o tempo, controla o sentimento e o sentido do filme.

É muito grande o interesse por esta obra, não apenas por tratar da história de um mito e por envolver um cineasta sempre original, mas por um detalhe nada secundário - a presença, no elenco, e nos créditos como autor da trilha sonora, de ninguém menos que Bob Dylan. O papel de Dylan é pequeno, mas não é uma ponta. Tem diálogos e presença efetiva no que se narra. Mas é claro que é a sua música que faz a diferença, dando ao filme a levada de uma balada rock, cheia de encanto e de melancolia. A trilha inclui a canção Knockin' on Heaven's Door.

A presença do "estilo" Peckinpah é sentida em toda parte. Nas cenas de abertura, quando um envelhecido Pat Garret é enfrentando seu destino, já em 1909. É quando a violência se desencadeia em câmera lenta, como é do seu feitio. Mas sua escritura particular também se manifesta na maneira crua como reproduz a relação dos homens do Novo México com as mulheres, em especial com as prostitutas mexicanas, tratadas como pouco menos que gado. Talvez essa crueza hiperrealista não tivesse chance de aparecer num filme contemporâneo, mais preocupado em projetar valores do presente para o passado do que em reproduzir o ambiente mental de outro tempo.

Essa dureza de concepção do filme, que hoje o torna uma das referências do western, foi muito mal vista pelos produtores da época. A MGM sentiu o filme como violento demais para o público e o desfigurou na montagem. Enfrentando problemas de alcoolismo, Peckinpah não conseguiu resistir à desfiguração de sua obra, que só foi recuperada em 1988. É a versão integral que agora sai em DVD.

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Mas, ao lado da violência à flor da pele, há uma poética dos homens rudes, da ética dos duelos, de um certo acordo de cavalheiros, da honra, que subsiste ao lado de interesses mais diretos e materiais. No caso, estes acabam por prevalecer. A ocupação de territórios exigia, para tornar a propriedade lucrativa, a eliminação de pequenos marginais. Empregava-se muito dinheiro e muitos homens nisso, porque o resultado seria compensador. É o que move Garret, enfim, fazendo dele um agente da nova "civilização", muito bem pago, mas inconsciente do seu papel. Num mundo que mudava, não havia mais lugar para Billy the Kid. Não faria mesmo muito sentido reabilitar hoje a sua memória. Até hoje retratos e souvenirs de Billy the Kid alimentam a indústria turística do Novo México.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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