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Opinião|Atrás da Porta

Às vezes apenas o mistério de um personagem é suficiente para salvar uma história. É quase o caso de Atrás da Porta, do húngaro István Szabó.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

A tal personagem é Emerenc (Helen Mirren), empregada doméstica da escritora Magda (Martina Gedeck). Emerenc mora ao lado da patroa e não deixa que ninguém entre em seu pequeno quarto. Por motivo nenhum. Especula-se o que guardará lá dentro.

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Bem, esse é um foco de inquietação, que vez por outra acende o interesse nesse filme grave, registrado em tons sóbrios, o que lhe dá um ar de certa forma antigo. Mas é Emerenc, ou melhor, Helen Mirren, atualmente em cartaz também como Alma, a mulher do mestre do suspense em Hitchcock, quem imprime esse sopro de vida. Ela é intensa, maníaca, vital. Dá um toque de imprevisibilidade a um filme esteticamente certinho demais.

Por exemplo, quando consegue inverter a relação entre patrão e empregada e ser quem, de fato, manda na casa. Aliás, isso se dera desde o início, quando Magda a procura para o emprego e ela faz um verdadeiro questionário sobre as referências da patroa, decidindo se aceita ou não a oferta. Há mesmo um certo humor, ainda que um tanto "sério" demais, nesse tipo de comportamento.

Por um lado, o filme pode ser visto como um estudo das relações de poder na antiga Hungria comunista. Emerenc, em um dos seus raros momentos de entrega, terá algumas revelações a fazer a respeito. Por outro, é também uma história de amizade, um tanto rude, é verdade, mas que guarda intacto um núcleo de autenticidade. Por exemplo, quando Magda homenageia Emerenc por seus serviços prestados e recebe da outra uma reação talvez inesperada. Mas é, sobretudo, um olhar sobre as relações humanas em uma sociedade fechada, e o espaço concedido à liberdade nessas condições.

Szabó é um diretor bastante conhecido pelos cinéfilos brasileiros, em especial por filmes como Mephisto (1981) e Coronel Redl (1985). São filmes bastante impregnados pelo contexto histórico e fizeram bastante barulho no contexto cinematográfico mundial dos anos 1980. Sentia-se que, através deles, Szabó falava, de forma indireta do seu próprio país e do seu tempo. Redl, ambientado no Império Austro-Húngaro mostra a ascensão e queda de um oficial plebeu na época da 1ª Guerra Mundial. Mephisto, talvez até hoje seu melhor trabalho, é história de um ator que, por vaidade e poder, adere ao nazismo. Vale-se de uma releitura do Fausto, de Goethe, tematiza as tentações que o homem comum sofre quando lhe acenam com uma migalha de poder. Esses trabalhos fizeram o seu nome. Mas o filme mais recente de Szabó, Adorável Júlia (2004), antes de Atrás da Porta, já passou quase despercebido.

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Agora, adaptando esse romance assinado por Magda Szabó (sem relação de parentesco com ele), István Szabó prefere deixar o campo histórico um tanto ofuscado e em segundo plano e mirar a câmera no intimismo de uma relação pessoal. Ficou um tanto pesado. Mas não se pode dizer que Atrás da Porta careça de interesse. Em particular pela interpretação, sempre intensa, de Helen Mirren. É uma atriz incomum, num filme que, sem ela, poderia ter ficado comum.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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