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Opinião|Armadilha Mortal

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Em Armadilha Mortal, de Sidney Lumet, Michael Caine faz o escritor de peças de mistério Sidney Bruhl, que vive às custas do passado glorioso. Autor de sucesso, enfileira o seu quarto e humilhante fracasso consecutivo. Pior ainda. Professor de um badalado seminário para autores novatos, Bruhl descobre que um dos seus alunos, Clifford Anderson (Christopher Reeve, o Super-Homem), escreveu uma primeira peça que é simplesmente perfeita. Clifford mandou uma cópia do texto a Bruhl para que este a lesse e desse sugestões.

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No desespero, Bruhl bola um plano diabólico. O aluno vai visitá-lo para discutir a peça e leva com ele o único original. Bruhl conta à esposa Myra (Dyan Cannon) que pretende se apoderar da peça e fazer dinheiro com ela. Para tanto, o único caminho seria matar o aluno.

O filme parece todo muito teatral. E Lumet o dirige dessa forma mesmo, de maneira assumida. Mesmo porque é baseado numa peça do escritor Ira Levin (de O Bebê de Rosemary). Desse modo, Armadilha Mortal funciona quase inteiro em locação única, a magnífica casa de campo onde Sidney Bruhl vive com sua histérica esposa Myra. Ninguém, exceto o casal e o escritor novato entra em cena. Ou melhor, ninguém com exceção de médium que mora por perto, uma teutoamericana, Helga Ten Dorp (Irene Worth), que, à maneira de uma Cassandra, faz presságios sinistros aos vizinhos. Participa também um advogado da família.

Nesse espaço cênico restrito, brilha Michael Caine, cuja elegância britânica põe em relevo as frases ácidas e bem torneadas de Levin. Afinal, estamos numa trama que envolve escritores, gente que se expressa, de maneira profissional, por meio das palavras. Elas são sua matéria-prima, seu ganha-pão. Por elas, são capazes de roubar e matar. Situam-se em meio a uma fogueira de vaidades, em que o dinheiro pode ser combustível, mas na qual o prestígio joga a função maior.

O que talvez surpreenda mais o espectador seja o desempenho de Reeve, ator que se tornou sinônimo de Super-Homem, papel que o celebrizou. Aqui, neste filme de 1982, seria simplesmente "escada" de Caine, ator já veterano e consagrado. Mas, não. O duelo de diálogos entre os dois se dá em igualdade de condições. E ambos enfrentam também de igual para igual as reviravoltas do texto.

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Este, provavelmente, é o maior mérito de Armadilha Mortal - sua imprevisibilidade, a maneira como as certezas são abolidas a cada volta do parafuso, a cada vez que a trama toma um caminho fora do comum. A carpintaria em espiral sustenta um roteiro que, de outra forma, soaria bastante improvável, para não dizer inverossímil.

Há, claro, o toque cômico que Lumet imprime à ação. Por isso, os atores estão sempre tom e meio acima do natural, mostrando que tudo se dá no plano da comédia, ainda que elegante e nunca escrachada. Nesse sentido, a única personagem que destoa é Dayan Cannon, que compõe sua Myra à base de gritos e esgares desnecessários. Caine e Reeve calibram-se plano acima do natural, mas nunca o ultrapassam. A médium é claramente uma personagem farsesca.

Fica de Armadilha Mortal a impressão de um entretenimento inteligente, apoiado em texto de qualidade, bem dirigido e com elenco que não perde jamais o controle do jogo. Divertimento garantido.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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