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Opinião|Ao Lado da Pianista

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Dizer isso pode não ser lá politicamente correto, mas parece que a vingança é dos sentimentos humanos mais primários - no sentido da antiguidade, claro. Tanto assim que até um músico como Rimsky-Korsakov escreveu uma bela suíte - Antar - em que coloca a vingança em pé de igualdade aos dois outros grandes prazeres humanos, o poder e o amor. Enfim, é no ambiente refinado da música clássica que se passa essa pequena história de revanche contada no filme francês Ao Lado da Pianista (La Tourneuse de Pages), de Denis Dercourt.

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Imagine uma criança, filha de açougueiros, em uma pequena cidade do interior, que, ao que tudo indica, parece dotada para a música erudita. Vai prestar um concurso para o conservatório e está indo bem, até ser distraída por uma das juradas, pianista famosa, que permite a entrada de um estranho na sala de exame e lhe concede um autógrafo. A partir dessa intromissão, a garota se paralisa e não consegue prosseguir. O teste é um fiasco.

Essa é a situação inicial do filme. Mélanie (Déborah François) torna-se uma bonita moça que, depois de abandonar o piano, deve sobreviver como secretária de uma importante firma. O título em francês entrega a atividade secundária que ela ocupará, a serviço de uma virtuose que toca num trio famoso - irá virar as páginas da sua partitura durante os concertos.

O que existe de interessante nessa história, que a justifique? Sem dúvida, um senso de sutileza pouco comum. De um lado, temos Mélanie, figura do ressentimento. Alguém que poderia ter sido e não foi. De outro, uma pessoa frágil, apesar de poderosa em seu meio, e que tudo ignora do mal que pode ter cometido um dia.

Como Dercourt não deseja nunca deixar tudo muito explícito, o que temos será um clima psicológico intenso, em que palavras mais sugerem do que falam de maneira direta. Alusões que contribuem para a criação de uma atmosfera de tensão permanente. A atriz que interpreta Mélanie, Déborah François, é responsável por esse ambiente frio, tenso. Tem ar de anjo, leve sorriso nos lábios, beleza sedutora, porém não agressiva. Mexe-se como uma gata flexível e quase ronronante nesse meio burguês e culto, do dinheiro e da grande música.

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Poderíamo dizer, pelo tom, que parece um filme inspirado em Claude Chabrol. Falta, porém, o toque do mestre, e sua suprema qualidade, o senso de humor. Dercourt não ri. Por isso, às vezes, precisa usar a música como muleta para criar seu clima. Mas o filme é bom. Como Antar, fala em vingança, poder e amor.

(Caderno 2, 1/2/08)

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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