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Opinião|Ângela José, a amiga que se foi

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Acabo de receber um e-mail comunicando a morte de Ângela José, jornalista, crítica de cinema e diretora do Cine Sul, o festival brasileiro mais importante com foco no cinema latino-americano. Foi um choque. Ângela é amiga de longa data. Estivemos juntos agora mesmo em Havana, em dezembro. Eu, como jurado do festival, ela selecionando filmes para o Cine Sul, como fazia todos os anos em companhia do Léo, seu ex-marido. Saímos várias vezes juntos, Ângela e Léo, eu e minha mulher. Vem à mente um último passeio que fizemos à Havana Velha. Saímos a pé do Hotel Nacional, fomos batendo papo pelo Malecón e depois nos deixamos perder por aquela parte mágica da cidade. Ângela era muito bem-humorada, sempre ríamos muito em sua companhia. Foi uma manhã muito agradável, que guardo no coração.

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Da Ângela pesquisadora, vale lembrar que lançou uma biografia ensaística sobre Olney São Paulo, cineasta que já começa a desaparecer da memória brasileira, tão frágil, como sabemos. "Olney São Paulo e a Peleja do Cinema Sertanejo" resgata a obra de um diretor importante e perseguido durante os anos sombrios da ditadura brasileira, em especial por seu filme Manhã Cinzenta, tido como subversivo. Na época do lançamento do livro, escrevi uma nota a respeito e lembro ter destacado o incomum interesse de Ângela por um cineasta fora do mainstream cult. Uma coisa é escrever sobre Glauber Rocha ou, digamos, Mário Peixoto, nomes badalados, de bom trânsito intelectual. Outra é, literalmente, exumar um artista na prática excluído da história do cinema brasileiro. O livro, entre outros méritos e qualidades, tinha este, o da originalidade. Talvez agora, com a morte de Ângela, o volume mereça ser republicado.

Mas a sua realização maior foi mesmo a criação do Cine Sul, festival criado com dificuldade e que em junho fará sua 14ª edição, no Rio de Janeiro. Só quem já tentou divulgar o cinema latino-americano neste país sabe da dificuldade da tarefa. Hoje existem outras mostras no País dedicadas ao cinema latino-americano, mas o Cine Sul foi pioneiro. Certamente a edição deste ano será realizada em homenagem à sua criadora.

Ângela José tinha apenas 51 anos. Sofreu um derrame cerebral no sábado, morreu na terça e foi enterrada na quarta em Cabo Frio. Que esteja em paz.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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