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Opinião|A vida num táxi...em Teerã

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
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O diretor Jafar Panahi, em seu táxi: resistência Foto: Estadão

Como poderia ter dito Ortega y Gasset, há o filme e sua circunstância. Comecemos por esta última. Como se sabe, o diretor iraniano Jafar Panahi foi condenado pelo regime do seu país. Não pode viajar para o exterior, esteve em prisão domiciliar durante algum tempo, não pode filmar ou escrever roteiros. O regime não gosta dele.

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Já o público estrangeiro gosta. Panahi é premiadíssimo. Já ganhou o Leão de Ouro em Veneza e, com este Táxi Teerã, descolou o Urso de Ouro no último Festival de Berlim. Esses dois troféus, ao lado da Palma de Ouro de Cannes, formam o triunvirato das principais premiações ao cinema de autor no mundo (Hollywood e seu prestigiado Oscar são departamentos à parte).

Desse modo, a premiação de Berlim soou para muitos mais como ato político do que como escolha estética. Ao conceder o prêmio máximo a Panahi, o júri estaria desagravando um grande cineasta perseguido por suas ideias políticas. Mais ainda: ao lhe dar destaque internacional, Berlim estaria, de certa forma, protegendo o artista, fazendo com que a perseguição a ele se tornasse mais cara, do ponto de vista diplomático, para o regime de Teerã.

Mas, e a obra, em si. Ela é, antes de tudo, um ato de resistência. Aliás, o terceiro ato. Antes, Panahi já havia filmado Isto Não É um Filme (2011) e Cortinas Fechadas (2013), testemunhos de sua situação particular, mas também de um estado geral de coisas no Irã. Neste terceiro longa desta trilogia do isolamento, Panahi dirige um táxi pelas ruas de Teerã. Diversos passageiros entram e saem do veículo. Um homem com ideias truculentas a respeito de criminosos discute com uma mulher de ideias liberais. Depois, Panahi socorre alguém que foi atropelado e que, sentindo-se à morte, resolve gravar o testamento no interior mesmo do veículo. Depois é a própria sobrinha de Panahi que entra no carro. E há também um vendedor de DVDs piratas que sustenta fazer um trabalho cultural ao franquear aos iranianos obras que de outra forma lhes seriam inacessíveis. Por fim, entra no carro uma advogada que confronta o governo de forma muito contundente.

Do ponto de vista cinematográfico, Táxi Teerã assume opções bastante simples. Há o motorista, que é o próprio diretor. As câmeras são instaladas no interior do veículo e captam imagens tanto de Panahi como de seus passageiros. Estes, representam diversas amostras da sociedade iraniana: os duros, associados ao regime, os que tentam burlá-lo pelas bordas, os que o confrontam de maneira aberta, o olhar infantil, que tende a ver claro porque despido de preconceitos.

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Panahi é hábil em explorar as possibilidades dramáticas da situação e dar-lhes ares de um falso documentário. Outro iraniano - o grande Abbas Kiarostami - teve a sacada de situar filmes no interior de automóveis. Percebeu que, num mundo em que cada qual parece absorto em si mesmo, o carro havia se transformado num raro espaço de convivência, em que as pessoas encontram tempo para conversarem. Os carros são herdeiros das carruagens, genialmente usada por John Ford (em A Última Diligência) e retomada por Ettore Scola (em Casanova e a Revolução).

O próprio Panahi é como um observador dessa amostragem diversificada que viaja em seu táxi, porém que indica uma sociedade ativa e em movimento. Num certo sentido, além de ato de resistência, Táxi Teerã é esperançoso. Sugere que, por maiores que sejam os controles, sempre existem frestas a ocupar e maneiras de driblá-lo. Ilustra uma arte do enfrentamento, a estratégia do fraco para minar a solidez do mais forte.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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