Pois é claro, que, sem ser um Amarcord à carioca, A Suprema Felicidade é um filme construído "à maneira de Amarcord". Boa parte da obra de Fellini é tecida dessa arte de fragmentos, do mosaico, da tapeçaria. É assim em Amarcord, mas também em A Doce Vida, Oito e Meio e Satyricon, para citar alguns. Neles, a história não precisa progredir em linha reta, mas se constrói por núcleos em aparência autônomos, que se articulam entre si. O impacto - emocional, psicológico, intelectual - depende tanto da espessura dessas células quanto da ligação intrínseca que guardam entre si. É apenas dessa maneira que o todo se completa e fica maior que a soma das partes. Essa organicidade é frágil em A Suprema Felicidade.
Dessa forma, se nos projetamos com intensidade em alguns momentos dessa retrospectiva memorialística de um Rio idealizado, em outros nos ressentimos de uma melhor elaboração - às vezes o que atrapalha são diálogos mais frágeis; outras, a mise-en-scène menos inspirada. Sentimos ora o filme nos conquistar, ora nos devolver à terra, um tanto desanimados. Queríamos que nos envolvesse, em sua promessa temporária de felicidade, e ele nos frustra. Desejaríamos voar alto, como quer outro dos personagens (o pai, interpretado pelo ótimo Dan Stulbach), e sentimos o chão sob nossos pés.
Isso porque existe algo que não funciona de todo no plano de voo de A Suprema Felicidade. É obra memorialística, que remete aos anos de formação do autor, em registro fantasmático e idealizado. O risco desse projeto é comprazer-se em seu próprio narcisismo, em regime de gozo solitário, sem se comunicar, emocionalmente, com o interlocutor possível - o público. Comunicar, no caso, significaria criar a ficção (muito real) de que aquela memória poderia também ser a minha, a sua, a nossa. "Mutato nomine de te fabula narratur", dizia Horácio, em suas Sátiras. Mudando os nomes, a história fala de você. Não é o caso.